Butt Spencer
Música torta, ligeira e inflamável
por Martín Fernandez
martin@sqn.com.br

Eles quase não cabem nos lugares onde tocam. São sete: Rodrigo Brum (vocal), Rafael Zimath, (guitarra), Maurício Ramos (baixo), Lauro Moraes (bateria), Richard Schroeder (sax alto), Charles "Somália" Alandt (sax tenor) e João Paulo Vexani (trombone). Formam o Butt Spencer, banda joinvilense de, hum... como dizer?, que no ano passado lançou seu CD de estréia "Dogmas, Dilemas e Perguntas sem Resposta". Com prensagem inicial de 1000 cópias, "Dogmas..." foi 100% feito pela banda. Nada de gravadoras independentes ou pequenos selos. 

Seis anos, shows pelo Brasil todo, aberturas para Fugazi, Voodoo Glow Skulls e outras bandas "grandes" do Brasil e de fora. Levou tudo isso até sair o primeiro CD. Parece pouco? Eles acham que não. E realmente não é. 

Maurício Ramos e Rafael Zimath bateram um papo com o S&Y sobre maturidade, o novo disco, pequenas gravadoras e outras coisas. Confira.
 



S&Y - O Butt Spencer não é chegado a rótulos, certo? Mas como vocês definiriam o som da banda pra quem nunca ouviu? 

Rafael Zimath: Eu definiria o Butt Spencer como uma banda de rock, que às vezes não é tão rock assim. Às vezes o som é feio, às vezes é bonito. Passeamos por punk rock, hardcore, funk, às vezes ska além de dar uma voltinha no jazz, pós-rock e outras coisas. Temos três instrumentistas de sopro, além da formação básica de uma banda (guitarra, baixo, bateria e voz). Eu diria que tocamos algo que chamamos de música torta, ligeira e inflamável. 
 
Como foi a "evolução sonora" da banda?

Zimath : Quando a banda começou, em 1995, o som era "hardcore-de-moleque" com pitadas de punk rock e ska. Tudo muito simples, ingênuo e um pouco tosco. Depois que entraram os primeiros dois instrumentistas de sopro em 1997, a coisa caiu mais para o skacore. Aos poucos foram entrando elementos diversos, compassos quebrados e letras mais bem construídas. Finalmente, chegamos à fase atual, que é a de experimentar ao máximo, com gêneros musicais distintos, formatos de canções inusitados e trabalhando melhor as melodias, sempre buscando coisas novas. Acho que ninguém na banda quer que pisemos em nossos próprios pés. 

Maurício Ramos: Acredito que as coisas começaram a mudar de forma mais significativa por volta de 1998, quando algumas músicas abriram novos caminhos. Já em 1999 e 2000 as coisas tomaram a forma mais atual do Butt Spencer. Definitivamente éramos outra banda fazendo nosso próprio som e cada vez mais distantes daquilo que outras pessoas afirmavam sobre nós. Então ano passado saiu o primeiro disco da banda, cujo set representa essa fase de músicas compostas entre 1999 e 2000. 
 
Quais são as influências maiores do BS?

Zimath: Muito complicado dizer. O Butt Spencer é uma banda em que unanimidade é uma utopia, e isso não é ruim. Todos têm bagagens musicais completamente diferentes, às vezes até antagônicas. E não temos influências muito óbvias ou coisas do tipo bandas-modelo. Posso falar das coisas que estou curtindo no momento e não há uma relação direta sobre a música do Butt Spencer: Blur, Tortoise, Chet Baker, Los Hermanos, Restos Fossiles, Burning Airlines, Zeke, Radiohead... 

Maurício: Pessoalmente, estou ouvindo bastante jazz, Meat Puppets. Mas também tem muita coisa legal fora da música que pode ser influência: livros, filmes, exposições, viagens.
 
As influências também evoluíram? E que o isso reflete na mudança de som do BS?

Zimath : Não gosto de pensar no termo "evolução" nesse sentido, porque de uma maneira sutil acaba desmerecendo as influências mais antigas. Não acho que o de outrora é pior do que o atual. Eu ainda gosto muito de Nirvana, Black Flag, Pixies, Fugazi, Circle Jerks e Metallica, mas isso sou eu, já os outros seis... Nossos valores musicais se expandiram ou se tornaram um pouquinho mais sofisticados. Acho que reflete nesse sentido, não vamos ficar tocando a mesma coisa pra sempre, queremos sempre mudar, sempre oferecer coisas diferentes e buscar experiências inéditas.

Maurício: Uma hora você cansa de coisas convencionais e acaba procurando alternativas. Esse é o princípio da nossa evolução. A gente não se contentava mais em ficar naquele lance de hardcore com ska lá dos idos de 1997, e foi aí que começamos a tentar coisas novas e chegar onde estamos. Outra questão importante é que sempre fomos bem abertos e nunca ficamos nos amarrando em uma cena X ou Y. Não somos sustentados por nada desse tipo, por isso que o nosso som é bem independente de público. Isso dá pra gente uma flexibilidade grande pra compor e variar.
 
Vocês são sete, têm um naipe de metais. É difícil ser uma banda grande? 

Maurício: Com certeza é. A comunicação é complicada, fechar datas de shows e ensaios também... Fora isso é só alegria.

Zimath: É. Pouquíssimos espaços em que tocamos até hoje tinham condições de suportar nós sete. Já faltou microfone, ou nos esprememos ou tivemos que tocar no chão. Já desafiamos as leis da física diversas vezes. Além disso, gastamos mais com gravações e viagens do que as outras bandas de formação "comum". O lado bom é que sempre é muito legal viajar e tocar com esse povo todo. É interessante observar nos shows como o público presta atenção, ou ficam olhando os metais afinarem como se fossem instrumentos alienígenas. É engraçado.
 
Foram seis anos de estrada até sair o primeiro CD. Não é pouco?

Zimath: A gente já tinha lançado em 2000 um EP com 8 faixas intitulado "Tira Gosto". E eu não acho pouco, a não ser que você pense que o Los Hermanos, por exemplo, tem menos tempo que nós e já tem dois discos... Lógico que não se compara, a infra-estrutura que os caras têm. Eles vivem de música, a gente tem que conciliar sete marmanjos que trabalham, cursam faculdades e moram em cidades diferentes, entre outras coisas. Então o processo de composição e produção é um pouco mais lento pra gente. 

Maurício: Bandas que se criam em centros maiores acontecem muito rápido desde seu surgimento até o lançamento de um trabalho próprio. Já em cidades e estados mais modestos é um pouco mais complicado. Mas o mais importante além dessa questão é a maturidade musical da banda. Hoje é fácil você gravar um disco, por isso que a maioria dos registros lançados são pobres. As bandas não esperam amadurecer um pouco mais as idéias pra fazer um lançamento. Nós somos muito exigentes com o que fazemos e acredito que qualquer tentativa de gravar um full length antes deste primeiro disco não teria sido tão bem sucedido. Pela primeira vez a gente conseguiu juntar um set realmente bom, só com músicas boas, que todos gostavam e aprovaram pra fazer parte do disco.
 
O CD foi feito totalmente pela banda. Por que não uma pequena gravadora, um selo independente? 

Zimath: Lançar por um selo não seria nada justo ou vantajoso, no nosso discernimento. Os selos independentes nacionais, de uma maneira geral, trabalham num esquema de "contrato por cotas" o que não é nada interessante. Você grava, gasta horas de estúdio, faz a arte e entrega tudo pro dono do selo prensar e te dar 100 cópias com um belo sorriso: "Bom trabalho, rapazes!". O retorno é tão pequeno que não dá pra reverter em turnês, vídeos e outros projetos. No final da história as bandas nunca crescem, não conseguem ter, no mínimo, o seu próprio equipamento, como acontece lá fora. Acho que a política de grande parte dos selos é a seguinte: lançar o maior número de discos, investindo o mínimo possível em cada título ou banda. 

Maurício: Esta era a única forma de fazermos as coisas como queríamos, do nosso jeito. Só assim estaremos em condições de no futuro investir em projetos maiores como ter um equipamento melhor, montar um estúdio decente, viajar, produzir vídeos e novos discos.
 
Como foi tocar com bandas grandes como Fugazi e Voodoo Glow Skulls?

Rafael Zimath: Com o Fugazi foi especial. Depois do nosso show, Guy Piccioto (guitarrista e vocalista do Fugazi) deu um tapinha nas minhas costas e disse "Great guitar playing man! You´re band is great.". Isso foi de tremer. Fora isso, o show deles foi uma aula. Quem diria que um dia eu iria abrir o show de uma das minhas bandas favoritas? Com o Voodoo foi mais ou menos. O show foi no final do ano passado, quando o nosso disco tinha acabado de sair. tivemos muitos problemas com a organização do evento, quase nem tocamos! Depois de muita discussão, convencemos os caras que a gente iria tocar de qualquer jeito. Resultado: tocamos depois do Voodoo. O engraçado é que era tão cedo que quase todo mundo ficou para nos ver. Agora a gente brinca que o Voodoo Glow Skulls abriu pro Butt Spencer.

Maurício: É legal pelo fato de estarmos atingido um público maior que provavelmente ainda não conhece nosso som, fora isso não vejo nada de mais especial.
 
Como é processo de composição do BS?

Rafael Zimath: Pode parecer meio clichê, mas não existe uma fórmula. Cada música é um caso diferente, com suas peculiaridades. O processo é um pouco lento e bem democrático.

Maurício: Algumas idéias vêm de casa, outras são feitas na hora quase que num improviso, às vezes até meio sem querer. Acho que uma tendência é cada vez mais transformar esse processo de composição em algo mais experimental e dinâmico, em vez de fazer um "riff" em casa e passar isso pros outros. É um processo muito limitado e não serve mais pra gente.
 
E as letras?

Rafael Zimath: Eu e o Rodrigo (vocal) somos os culpados por escrever as letras. Da mesma maneira do que no processo de composição musical, não há regras. O Rodrigo tem o jeito dele de escrever, e eu tenho o meu. A gente respeita muito isso. Os temas são os mais distintos. A gente fala da vida. De tristeza, raiva, amor e frustrações em geral, coisas que sentimos e presenciamos. Às vezes são histórias reais, outras vezes nem tanto. Acho que temos um certo cinismo ácido ou uma ironia debochada de tratar das coisas que escrevemos, que acabou virando a "cara" das letras da banda. 
 
Todos têm atividades extra-banda, certo? Dá pra conciliar tudo?

Rafael Zimath: Tem épocas em que beiramos à loucura, afinal todo mundo trabalha (menos dois), todo mundo estuda. Mas meu, nego gosta muito de tocar junto, compor, criar, viajar, fazer shows. A gente sempre deu um jeito de conciliar. 

Maurício: Até tem dado, mas tem certos momentos que a gente precisa dar um tempo pra resolver nossas vidas, porque a banda não é nosso trabalho, nosso ganha pão, apesar de a gente encarar com muito profissionalismo.
 
E pra onde vai o Butt Spencer?

Maurício: Até o meio do ano mais shows devem acontecer, nosso objetivo é esgotar a tiragem inicial do disco. Depois disso vamos dar um tempo pro Rafael e o Rodrigo acabarem a faculdade. Isso não quer dizer que vamos parar de tocar, mas que vamos tocar bem menos. Provavelmente só vamos ensaiar pra fazer novas músicas pra um próximo projeto novo.

Rafael Zimath: Compor, compor e compor! Estou bem animado com os rascunhos iniciais de novas músicas. Acho que quem gosta de bandas que apreciam diversidade, pluralidade e anti-estagnação podem contar com a gente. Estamos aí e acho que ainda vamos ficar por mais um bom tempo... 


Informações sobre o Butt Spencer, shows, compra de cds e mais um zilhão de coisas na excelente página da banda. 
http://www.buttspencer.com.br


A pedido do jornalista Martín Fernandez, Rafael Zimath (guitarra) fez um faixa-a-faixa especial para O S&Y:

"Receitas Diárias" - Liricamente falando, é a nossa "This ain't no picnic" (Minutemen, "Double Nickels on the dime"). A típica música para abrir shows e começar um disco. Tem um clima bem rock.

"Happy Day" - Fala da promessa de uma vida de plástico empurrada goela abaixo. Sobre ser tudo aquilo que você não é. Sobre querer ser quem você não é/nunca vai ser, sobre tudo aquilo que te falta. Quão irreais são os modelos e padrões implantados nas propagandas? Ser feliz é, de fato, buscar isso tudo?. "Só basta desejar...". Tem uma pegada bem punk rock.

"Blecaute Pragmático em tempo de impertinência cognitiva" - É sobre a política do "não se incomodar", sobre preguiça e ser programado, engolir tudo que for decretado e deixar de viver "pra depois". Há três tipos de pessoas: As que fazem, as que vêem e as que perguntam o que aconteceu, afinal, o maior risco na vida é não fazer NADA, não? Essa é bem explosiva, agitada, a letra é gigante.

"(R)evolver" - "A história nos ensina que ela não nos ensina nada". Um semi-reggae com os metais comandando tudo. Os arranjos de sopro tem um certo "quê" de jazz ou música latina, sei lá, definitivamente são elementos que não vieram do rock. É a única canção em que a guitarra é completamente limpa enquanto o baixo é distorcido na música toda.

"Conjugações no modo imperativo" - Todas as antigas mensagens subliminares escondidas, minuciosamente confeccionadas para causar dor e a dor gerar insegurança, a insegurança gerar consumo, o consumo gerar lucro, e o lucro gerar novamente dor, a todos. Ninguém parece se importar. Viver é tomar as decisões por você, mas elas já foram todas tomadas, agora use seu cartão de crédito e sinta-se profundamente vivo ao optar entre uma camisa da GAP ou novo modelo Nike ("just do it'). Quase que uma "Happy Day - parte II - A missão". Tem a ver também com solidão e controle e com "Lost In The Supermarket" do Clash. Ah...sorria você está sendo filmado agora.

"Catathonic Mexican Noise" - O Rock que os jovens dos "anos 90" não querem ouvir!

"Fantasmas" - Coisas não ditas, tentar esquecer, palavras podem te perseguir onde quer que esteja, fazendo sentir medo, angústia e vazio. Viver um Inferno. "Quanto mais eu rezo, mais fantasma me aparece." (ditado popular). Essa é a música mais lenta e mais comprida do Butt Spencer. Tem alguma coisa de ska two tone e também alguma coisinha de swing.

"Morda a sua língua" - Eu chamo essa de a típica canção hardcore "Brutus", pelo sentido da letra. É bem rápida, com o vocal escarrado, mas o melhor é mesmo o final. Fala de hipocrisia e maquiavelismo. Há quem fale de pessoas, coisas e há quem fale de ideias e projetos . Você tem algum?

"Querosene" - Essa tem um andamento acidentado, várias oscilações e trechos diferentes. O Ameixa do Ambervisions fez uma voz que lembrou alguma coisa de Monty Python, ficou bem legal. O Rodrigo do Dead Fish cantou no final, dando o exato desfecho que a música precisava. A cela e a forca. "O mundo pode parecer diferente, mas tudo depende do
tamanho de sua janela". Apesar de ter sido escrita já faz um tempo, a idéia que essa letra passa tem se tornado cada vez mais aplicável às situações políticas e econômicas do mundo atual. Mas ainda, é uma letra mais pessoal do que política, embora o "pessoal" não seja nada mais nada menos que a própria política, pergunte ao Embrace (a banda de ian Mackeye antes do Fugazi).

"Sorrir" - Pressão. Viver no limite. Não poder expressar seus sentimentos, até que uma hora tudo explode e desmorona. Alguém aí já viu "Um dia de Fúria", com Michael Douglas? Essa é bem rock também.

"Anos 80" - Nosso amigo agora internacional Alec Newlands nos presenteou com uma letra entitulada "Algumas razões pra platão cortar a barba". Além de gostarmos de títulos grandes e pretensiosos, a letra era muito boa. Acabamos chamando simplesmente de "Anos 80" por que a música era mais forte do que a nossa vontade de nomeá-la com o título da letra do Alec. Ele fazia filosofia e agora mora na Inglaterra. Mas afinal, quem disse que o nome de uma música deve estar de acordo com sua letra? Essa é algo como um dance, funk mais de um jeito meio punk. 

"Mais uma vez" - Uma canção de amor que não tem um final feliz. A mais pop nossa.

"Superman Vs (The) Phonographic Industry" - Uma vinheta jazz.

"Vírus Amplifier" - Primeira música da banda, fala da maldição de amplificadores queimados. A letra foi estrategicamente "omitida" do encarte.

"Um cavalo em cima do outro" - Música do The Power of The Bira. Uma homenagem à Polícia Montada e à essa grande banda joinvillense.