Algumas fotos, uma viagem... 
Um breve resumo da saga do Buffalo Tom
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br

Você já se pegou despertando em um dia útil da semana (por exemplo, uma quarta-feira) imerso em nostalgia, desde o primeiro minuto acordado do dia? Um dia em que você segue sua rotina normal de trabalho, estudos e compromissos sociais, mas ligando cada atividade diária a algo de seu passado, mais especificamente a adolescência? E passa o dia todo esperando o primeiro momento de ócio para rever fotos, ou desligar a luz, colocar aquele velho cassete (lembra disso?) especial para momentos oníricos e relembrar?

É raro encontrar alguém que não experimentou essa sensação de nostalgia sem melancolia ao menos uma vez na vida. É um dos pequenos milagres sentimentais que levam o indivíduo a repensar e valorizar seu passado, e quem sabe até tomar uma atitude para melhorar o presente. Pois é exatamente essa sensação que a música do Buffalo Tom proporciona.

Formado em Northampton (um subúrbio de Boston, EUA) na segunda metade dos anos 80, o Buffalo Tom conseguiu gravar seu primeiro disco (homônimo) em 1988 pela gravadora Beggars Banquet. Na época, Bill Janovitz (guitarra e voz), Chris Colburn (baixo e vocais) e Tom Maginnis (bateria) eram fortemente influenciados por Hüsker Dü e, principalmente, Dinosaur Jr., tanto que J Mascis (vocalista, guitarrista, líder e dono do DJ) produziu o álbum. O resultado foi a mão pesada de Mascis abafando as raízes rock'n'roll que a banda sempre fez questão de assumir (Stones e Aerosmith circa 70, The Who, Neil Young). Muita distorção conduzia as faixas do álbum, que teve uma boa repercussão no circuito universitário americano, mas apenas sugeria o potencial do trio.

1990 foi o ano de Birdbrain, ainda produzido por Mascis. Porém, os dois anos de estrada e o amadurecimento dos integrantes fez com que o cabeludo não interferisse tanto no som, deixando a banda mais à vontade e resultando em uma pequena pérola do underground americano. A abertura, com o poderoso riff da faixa título, já anunciava que o rock'n'roll iria dominar o disco. Essa primeira impressão não é traída em momento nenhum: Guy Who Is Me e Caress encavalavam um pique instrumental de deixar Frank Black corado; a pra lá de climática, Directive entrelaçava violões e guitarras numa atmosfera oitentista, enquanto Bleeding Heart, com envolventes e velozes acordes de violão, era o prenúncio do que viria no álbum seguinte. No meio disso tudo, Enemy explorava a dialética de um relacionamento amoroso com uma moldura musical bela e densa, onde o instrumental espartano (guitarra, baixo e bateria econômicos e sem efeito algum) alternava aridez e êxtase. Tudo embalado pela interpretação única de Janovitz, na qual a palavra emoção adquire significado mais palpável. De brinde, duas faixas acústicas fechavam o disco: uma versão de Heaven, dos Psychedelic Furs (também gravada em arranjo pesado pelo Face To Face), e uma releitura de Reason Why, faixa do álbum de estréia.

Deus é justo e essa obra não passou despercebida. O contingente de fãs do trio aumentou muito, o que, em vez de acomodá-los, deu-lhes mais confiança para ousar, E eis que em 1992 o álbum Let Me Come Over veio ao mundo. Um dos melhores álbuns da década, e possivelmente um dos melhores discos de rock'n'roll de todos os tempos. Bill Janovitz sugere que Van Morrison sobre Hüsker Dü seja uma idéia para explicar Larry, faixa que, segundo ele, define o Buffalo Tom desse período. Mas a definição de Chris Colburn para o som da banda talvez seja mais precisa: só guitarras acústicas, grandes refrãos e harmonias suntuosas (sem pompa, contudo). Além da citada Larry, Taillights Fade e Mineral constituem o supra-sumo desse som, as gemas mais preciosas extraídas de um mina de vastas riquezas. Staples e Velvet Roof (essa, com uma chacoalhante percussão sustentando um frenético riff) são autênticas esculturas de rock'n'roll. E essas são apenas cinco das treze faixas do disco, que ainda tem Stymied, Saving Grace... Patrulhinhas alternativas tentaram acusar a banda de vendida, mas não abalou a crescente popularidade nem a qualidade do BT. Ainda bem.

Tanto que Big Red Letter Day (1994) mantinha o mesmo nível do disco anterior, e é considerado por muitos fãs como o melhor disco da banda. A exemplo de Let Me Come Over, Big Red... trazia a voz suave de Chris Colburn à frente de algumas canções (como nas belas My Responsibility e Late At Night), mas é a interpretação rasgada de Janovitz que conduz os hits Tree House (é como uma versão de 'Can't Always Get What You Want, dos Stones, feita pelo Who em Live At Leeds, explica o guitarrista), Sodajerk (que consegue falar de masturbação sem resvalar na vulgaridade) e I'm Allowed - essa, com a estatura de um clássico, que nos shows da banda leva o público a cantar os primeiros versos num volume alto a ponto de soterrar a voz de Janovitz.

Já com uma parcela de público conquistado, livre das patrulhas ideológicas e rodando os palcos dos EUA, a banda gravou Sleepy Eyed, já em 1995. O primeiro single, Summer simplesmente estourou no circuito universitário e até fora deste, tornando-se o maior sucesso da banda. Não é para menos: a melancolia do fim do verão é celebrada com uma bela poesia e com uma progressão de guitarras que explode em um refrão perfeito. Tangerine, com um pique meio punk que lembrava os dois primeiros álbuns, e a pungente Kitchen Door (outra com vocal de Colburn, a essa altura já efetivado como um "segundo vocalista", a exemplo de Mike Mills, do R.E.M. na época do Out of Time) cuidaram de manter o sucesso da banda em alta, via rádio, MTV e shows, muitos shows. O resto do álbum mantinha uma linha próxima de Kitchen Door: guitarras e violões ora sustentados, ora entrelaçados por uma cozinha pesada e dinâmica, onde o espírito de Let Me Come Over e Big Red Letter Day ganha contornos mais radiofônicos sem a mínima descaracterização. Parece difícil crer nisso? Ouça e comprove.

A longa turnê (e provavelmente o receio de uma superexposição) levaram a banda a dar um hiato de três anos para gravar o álbum seguinte. Smitten é uma progressão lógica de Sleepy Eyed, onde as canções têm um certo sabor de, como diria Nick Cave, estrada para Deus sabe onde. A banda adicionou um tecladista (Phil Aiken) em sua formação (embora como músico contratado, não como integrante da banda), e órgãos e teclados discretos começaram a acompanhar as melodias, que continuavam imperdíveis. Basta ouvir Wiser, belíssimo dueto entre Janovitz e Colburn para ser cantado com o coração na garganta. Ou a estradeira Postcard (entre numa estrada deserta qualquer e coloque essa no som do carro). Ainda havia o hit Rachel, uma espécie de rock de arena à moda do BT, e outras nove canções que parecem ter sido compostas em algum cafundó dos EUA esquecido até pelos americanos.

De 1998 até hoje, a banda só deu as caras num tributo ao The Jam (com uma versão totalmente modificada - e muito bacana - de Going Underground) e com a coletânea A Sides from Buffalo Tom - Nineteen Eighty-Eight to Nineteen Ninety-Nine, que contém a maioria das faixas aqui citadas, todas com deliciosos comentários da banda no encarte. Junto com Sleepy Eyed e Smitten, essa coletânea é disponível em território nacional pela Sum Records. Se a grana estiver curta, empreste, grave, pirateie. Mas não se esqueça de mandar 180 cartas para a Sum (detentora do direito de distribuição do catálogo do BT) pedindo para que os demais álbuns sejam lançados por aqui. O Buffalo Tom e os ouvintes brasileiros merecem.

E caso você tenha acordado se sentindo nostálgico hoje, creia que suas memórias ficam ainda mais saborosas ao som do Buffalo Tom - uma banda da qual você nunca se esquecerá da primeira vez que a ouvir...

Leonardo Vinhas, 22, carrega sua coletânea do Buffalo Tom em quase todo o lugar que vai, já que volta e meia ele se perde em recordações.