UIVO e outros poemas
(Allen Ginsberg, Eitora L&PM - Série Pocket - 120 pág.)
 por Leonardo Vinhas 
leonardo.vinhas@bol.com.br

Beat generation é o nome dado a um grupo de escritores que lançou os primeiros movimentos da revolução comportamental que eclodiu no final da década de 60. Eram jovens que desencantaram-se com a hipocrisia e com o ufanismo da sociedade dos EUA após a Segunda Guerra Mundial, e que literalmente saíram pelo mundo afora para viver experiências que fugissem dessa realidade.

Allen Ginsberg (1926-1997) era um desses jovens. Homossexual assumido, consumidor de todo tipo de alucinógenos (do LSD ao peiote), era alguém que certamente aquela sociedade não estava disposta a aceitar. Mesmo assim, ele não se intimidou e seguiu em sua busca incessante por um lugar onde pudesse ser ele mesmo e encontrar o amor. Esse amor apareceu na pessoa de Carl Solomon, escritor da mesma geração que Ginsberg. Solomon, entretanto, foi internado num hospício (por causa do uso de drogas e de atos como tirar a roupa em frente a instituições públicas), onde foi torturado e violentamente sedado até ficar catatônico.

Foi durante essa "estadia" de Solomon no hospício que Ginsberg escreveu Uivo, um longo poema em seis partes, onde descreve a falência moral dos EUA e o fracasso de sua geração em mudar alguma coisa nas próprias vidas. Conforme diz um trecho do prefácio dessa edição: "senhoras, levantem as barras das suas saias, vamos atravessar o inferno". Essa é a sensação da vertiginosa viagem que Ginsberg descreve no poema - torturante, extasiante, nauseante, cínica... mas com uma ponta de esperança.

Essa esperança que fez Ginsberg escrever "Canção", poema que resume todo esse livro. Nele, o amor aparece como redentor dos males e como algo que "não pode ser negado, nem contido quando negado", algo pertencente a todos nós e que passamos a vida toda buscando. O sarcasmo crítico de "América", o lirismo de "Transcrição de Música de Órgão", o horror de "Kaddish para Naomi Ginsberg" (onde descreve a cruel loucura que levou sua mãe à morte), são todos obras-primas presentes nesse livro que, apesar de todo o horror que retratam, conduzem à beleza expressa nos versos de "Canção".

Ler Ginsberg (ou Solomon, William Burroughs, Jack Kerouac e outros escritores da beat generation) é uma experiência tensa, difícil e por vezes traumática. Contudo, a leitura final desse livro reitera o amor como princípio e fim de tudo. E a inquietude como uma virtude para não sucumbir à opressão e à mediocridade.

Leonardo Vinhas, 22, é professor de inglês e autor do livro "As Pérolas que Enriquecem os Porcos".

Texto originalmente publicado no fanzine Alternative Voices nº7, aqui revisado pelo próprio autor.