"O Menino", de Edward Bunker
por Danilo Corci
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19/03/2007

"Durante as semanas de espera para ser entregue ao reformatório, Alex ficou mais recolhido em si mesmo, com modos mais distantes, desencorajando qualquer tentativa de fazer amizade. Até mesmo o fato de estar indo para o reformatório, a pior punição de que o Estado dispunha, dava-lhe prestígio adicional no abrigo de menores."

Acima, apenas um trecho do livro "O Menino", de Edward Bunker, lançado pela editora Barracuda, que consta no material de divulgação para a imprensa. Tudo bem, faz parte do jogo editorial divulgar o livro (seria insano não fazer isto) e também dar uma floreada no trabalho. Mas Edward Bunker não precisa de apresentação, nem de trechinhos de livro – e se você que está lendo esse texto agora não sabe quem ele é, então... Basta dizer que saiu mais uma obra dele no Brasil.

Se ele se basta porque fazer uma resenha do livro? De fato, eu poderia explorar o livro por meio da teoria literária, traçar paralelos, fincar idéias e interpretações, mas tudo isso seria inútil diante d'O Menino. Bunker é um proseador, um contador de histórias, um ex-presidiário que aprendeu a escrever livros atrás das grades e, com certeza, não estava nem um pouco preocupado com estilo – de como seria interpretado, mas sim se seria publicado e lido. Este é o espírito. Até desse texto aqui.

No livro, Alex, abandonado pela mãe, vaga de internato em internato porque seu pai não consegue sustentá-lo como uma família. Numa dessas trocas – ele era o baderneiro mestre -, seu pai morre. Começa sua jornada pelas instituições penais para jovens, reformatórios, guerra de gangues – mexicanos, negros, brancos – numa Los Angeles começando a se tornar uma grande cidade do pós-guerra.

Alex tem a essência de um experimentador, de um inquieto. Conforme se desenvolve – física e mentalmente (sempre fora considerado um prodígio), sua violência também aumenta de maneira exponencial. A formação de um caráter criminoso, por excelência, vai sendo criada por Bunker, numa assustadora jornada entre escolhas e descaso – até mesmo do próprio garoto.

O curioso é notar o quanto Bunker é cínico, mesmo sendo extremamente carinhoso com seu personagem principal. Ao mesmo tempo em que cria uma pequena mente brilhante do crime, ele esvazia a fácil afirmação da condição social como elemento-resposta para o comportamento de Alex e, dubiamente, entrega que a disfunção familiar tem um papel importante no processo – claro, nos seus livros sempre há algo de autobiográfico. De fluência leve, o livro e a narrativa de Bunker são encantadoras, típicas de um bom contador de histórias. A sacada do autor está na rápido contrato que ele cria com o leitor – sim, o moleque é um malandro extremamente violento, mas também é apenas um menino descobrindo o mundo, as bebidas, as mulheres, o sexo, as drogas.

Como ficar impassível diante da passagem na qual Alex aprende os segredos do pôquer num instituto para doentes mentais e ali, no mesmo momento, descobre também que há, de fato, uma guerra racial surgindo entre os "desajustados" da sociedade norte-americana? Essa é a graça de Bunker. O senhor carvoeiro apresenta sua história infantil, o seu pequeno Little Boy Blue, que mais tarde ganha homenagem de Tarantino na forma do crescido Mr. Blue, em "Cães de Aluguel". Bunker é o cara.

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Texto cedido pelo site Speculum