Esse Você Precisa Ler
'Primeiro, o Amor. Depois, o Desencanto', de Douglas Coupland
por Moreno Osório
Blog
Foto: Site Oficial
06/06/2006

Se você gosta de pegar o carro e dirigir longas distâncias em silêncio, aproveitando a concentração que o ato de estar ao volante exige somente para conseguir não pensar em nada – encaixe qualquer outro tipo de válvula de escape (consciente ou não) para deixar seus problemas de lado por alguns instantes aqui – você precisa ler Primeiro, o Amor. Depois, o Desencanto (e o resto de nossas vidas).

O livro, escrito pelo canadense Douglas Coupland em 1993, reúne oito histórias independentes entre si, mas que transpiram a mesma essência: a rememoração de fatos que marcaram profundamente a vida do narrador, um personagem que apesar de não ser necessariamente o mesmo em todas as histórias, compartilha com o leitor a mesma cumplicidade e os mesmos conflitos existenciais de quem cresceu em uma sociedade individualista e sem religião. É bom ficar claro que a religião na qual Coupland se refere não é o simples acreditar em um ser superior, mas sim uma falta completa de princípios, de referências, o que é bastante familiar nesse início de século XXI. O nome original da obra é, inclusive, Life After God.

Todas as histórias são relatos de situações cotidianas em que o narrador parece cochichar no ouvido o quanto é difícil manter a mente em ordem em determinados momentos da vida, principalmente para quem, lá pelos vinte e poucos, trinta anos, busca transcender aquelas dificuldades de não saber bem o que esperar da própria existência.

Coupland chega ao extremo da melancolia sem ser depressivo. Durante 204 páginas, o leitor fica completamente absorto em uma tristeza renovadora e bela, mesmo que isso contrarie o significado de cada frase. Em Primeiro, o Amor. Depois, o Desencanto as inconsistências do existir ganham vida através de palavras, mas nenhuma saída edificante é mostrada – e nem deveria. No texto Gettysburg, por exemplo, o narrador conversa com sua mãe (em um diálogo que dá o nome em português ao livro) sobre um casamento recém terminado, exatamente naquela hora em que acreditamos que nunca mais nos relacionaremos com outra pessoa novamente. E o diálogo é o seguinte:

Ela diz: "Primeiro vem o amor, então vem o desencanto e depois vem o resto da sua vida."

E eu digo: "Mas e quanto ao resto da sua vida - e quanto a todo esse tempo que resta?"

E ela diz: "Ora - existe a amizade. Ou, pelo menos, familiaridade. E existe a segurança e depois disso existe o sono."

Eu penso: Como pode qualquer um de nós saber que isso vai acabar desse jeito? Que isso é tudo o que talvez tivesse de ser? Eu digo: "Ah, Deus."

E minha mãe me diz: "Querido, Deus é o que nos mantém juntos depois que o amor acaba."

Nesse momento o narrador poderia dizer: "mas, mãe, Deus não existe. E agora?" É uma porrada lírica. Não há saída, nem a nossa própria mãe é capaz de nos entender.

Mas em momento algum da narrativa a beleza melancólica é vencida pela tristeza desesperadora e depressiva. Ler Coupland é como escutar uma música de Edith Piaf. O livro acolhe sob uma aura familiar e aconchegante. A paisagem canadense – que muitas vezes serve de cenário para as idas e vindas do narrador – dá ao leitor a sensação de fazer parte daquilo tudo, como se o livro estivesse sendo lido dentro de uma pequena cabana nas montanhas de Ontario, em frente a uma lareira, em meio a um cobertor. Os desenhos de traços simples que ilustram as histórias deixa o texto com um jeito de pequenas anotações. É como se Coupland sentisse a vida e anotasse cada percepção em um caderninho de bolso para depois compartilhar conosco em forma de ficção.

Primeiro, o Amor. Depois, o Desencanto foi o terceiro livro de Douglas Coupland, lançado no Brasil pela editora Jose Olympio, e pode ser encontrado em algumas livrarias e sebos. Coupland também escreveu Generation X, livro símbolo da geração que lá pela década de 90 beirava os trinta anos sem saber bem o que esperar da vida, e Girfriend In A Coma, cujo título remete a uma música do último álbum dos Smiths.

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Site Oficial de Douglas Coupland