"Cem Escovadas Antes de Ir Para Cama", de Melissa Panarelo
por Drex Alvarez
Blog
07/06/2005

A onda começou em 2003 e chegou ao Brasil um pouco mais tarde, em meados de 2004. A imprensa cultural detectou dois ou três lançamentos de escritoras estreantes, muito jovens, quase meninas, que escancaravam suas vidas em narrativas autobiográficas precoces. Estava ali, logicamente, um filão promissor a ser explorado. Não houve erro - aquelas tenras garotas desperdiçando (ou aproveitando) sua juventude mergulhadas em consumismo e sexo irrestrito, cheias de niilismo e sem maiores aspirações de vida, venderam livros aos milhares.

Não dá para dizer quem veio primeiro, se a francesa Lolita Pille, com o seu Hell, descrevendo a rotina fútil e desregrada das patricinhas de Paris, ou Melissa Panarello, com o diário Cem Escovadas Antes de Ir Para Cama. O fato é que hoje já há até uma coleção (Gossip Girl, da Editora Record) lançada para aproveitar o nicho. Lolita, inclusive, esteve badalando no Rio de Janeiro, nesta última Bienal, aproveitando para promover o lançamento de seu segundo livro, Bubble Gum. E o estilo de vida que começou causando algum espanto e indignação, agora está devidamente empacotado para servir de terapia empática para toda uma geração de jovens pós-Capricho.

A curiosidade me fez ir até o livro de Melissa Panarello, uma italianinha de olhar doce e faces rosadas, que tem hoje 19 anos de idade e ainda vive em Catânia, na Sicília, a mesma cidade onde viveu as aventuras narradas em seu livro. Cem Escovadas cobre cerca de um ano de sua vida, quando ela ainda mal debutara seus 15 anos. Suas confissões possuem o esmero literário que se pode esperar de um diário adolescente, mas não é propriamente literatura refinada que se vai buscar no livro de estréia de uma garota tão jovem. Seria injusto criticar o livro de Melissa por isso. Afinal, é preciso mesmo admitir - a propaganda editorial estava certa: Cem Escovadas está cheio de sexo e desencontro existencial.

Mas a coisa não é tão simples assim. Antes de ler Melissa (e, de certa forma, é esta a mesma expectativa que tenho em relação ao livro de Lolita Pille, que ainda não li), esperava encontrar uma garota sem pudores, desligada de qualquer restrição moral, atirando-se ao sexo, às drogas e à futilidade por diversão, pelo tédio de não ter outra expectativa em relação à vida. Esperava encontrar ali o retrato inquietante da uma geração tão alardeada como perdida e amoral.

Não sei quanto à Lolita, mas Melissa não é nada disso. Sem dúvida, seu diário está repleto de experimentações, todas vividas por ela logo após a perda de sua virgindade: sexo casual, grupal, homossexual, sado-masoquista, por amor, por afinidade, por amizade, por perversão, pela Internet, pelo telefone, com o colega de bairro, com o ídolo da escola, com seu professor particular. Mas, apesar de tudo isso, Melissa é uma garota cheia de culpa, idealismo e sonhos românticos. O título do livro é simbólico - Cem Escovadas refere-se ao ritual a que ela se submete, todas as noites, antes de ir dormir: escova cem vezes seu cabelo em frente ao espelho, buscando a inocência de seus dias de menina. Melissa é uma adolescente desencontrada em busca do amor. Só isso.

O sentimento que permanece após conhecer Melissa é um tanto contraditório. Fica a esperança de ver que, afinal, não estamos diante de uma geração tão sem propósito assim. É só entrar em seu site/blogue para perceber isso ainda melhor - já um pouco mais madura, ela ainda mostra-se uma garota cheia de planos e idealismo, que talvez agora canalize sua energia experimentadora para o ativismo político.

Por outro lado, não há como escapar de uma certa frustração libertária. Porque, apesar de todas as suas orgias, o despudoramento sexual de Melissa soa falso, cheio de culpas morais e frustrações. Melissa tem todo acesso ao sexo que lhe é permitido hoje, mas porta-se apenas como uma menina que não consegue divertir-se com o brinquedo novo. Ela é incapaz de tirar prazer e felicidade da sua liberdade sexual. E é triste ver que este possa ser o resultado, incompleto e desfigurado, de quatro décadas de revolução nos costumes.

O contrário também não é muito reconfortante - Lolita Pille, em Hell, parece ser uma garota que curte a vida, mas que não tem nada na cabeça. Mas, enfim, não vou julgá-la antes de lê-la. Depois de Melissa, até me deu vontade de conhecer Lolita. Afinal, sexo por diversão pode não ser uma má idéia.


Site Oficial de Melissa Panarello