O Exterminador do Futuro 3
por Drex
cartasdemaracangalha.blogspot.com
31/07/2003

Decepcionando as expectativas dos mais pessimistas, o ano de 1984 chegara e as profecias de George Orwell ainda não haviam se realizado. Nem as guerras sem fim, nem o totalitarismo onipotente do Grande Irmão haviam dado as caras. A humanidade, mesmo cheia de sujeiras velhas e ameaças novas, ainda caminhava.

Àquela altura, James Cameron, um rapazote de 29 anos, andava um tanto entediado. A guerra fria já não era a mesma, ninguém mais acreditava em seres verdinhos invadindo a Terra. James percebia que o mundo não conseguiria viver naquela morosidade, sem uma perspectiva catastrófica clara à sua frente. Então, como James era gente que faz, colocou as mãos à obra e ocupou aquele vácuo construindo seu próprio mito apocalíptico. Deu ao mundo "O Exterminador do Futuro" e prometeu o dia do juízo final para o longínquo ano de 1997.

Confesso que, em 1984, eu não ligava muito para o fim do mundo. Tinha 9 anos e confiava plenamente que Spectroman protegeria o planeta Terra e a cidade Tóquio de todos os males. Tampouco me lembro de ter me dado conta do lançamento do primeiro "Exterminador". Sinceramente, devia estar mais preocupado em trocar minhas tampinhas de guaraná Antarctica e completar meu álbum de figurinhas cheio de aviões maravilhosos.

Nos anos seguintes, porém, eu adentrava aquela desaventurada primeira fase da adolescência. Como todos os homens sabem, são os anos em que nos são apresentadas tanto as meninas, as espinhas e as desilusões amorosas (talvez, necessariamente, nesta ordem), mas também a época em que armazenamos nas nossas ainda precoces CPUs os mitos, ícones e ídolos que vamos carregar nos próximos anos da vida. Porque acredito piamente que, se a nossa personalidade se forma até os 7 anos, como dizem os psicólogos, todo o nosso gosto e preferência, cultural e política, ganha profundas marcas dos 11 aos 15 anos de idade.

Psicanalismos baratos à parte, a questão é que, nestes meus anos saudosos, mas pouco dourados, o "Exterminador do Futuro" se tornara um mito absoluto. Era um daqueles filmes que poucos haviam visto no cinema, mas que todos já tinham dado um jeito de ir atrás e conferir. A violência estilizada devia nos atrair, além de que, naquela época, a Linda Hamilton ainda não era de se jogar fora. No entanto, o que tornava o filme diferente era toda a aura profética que ele carregava. Aquela coisa de fim do mundo, de dominação das máquinas, aquilo dava ao nosso inocente Atari uma seriedade sombria e irresistível.

O mito do "Exterminador" era tão forte e presente que, em 1991, a ansiedade causada pelo anúncio do lançamento do segundo filme foi impressionante. Me lembro perfeitamente, com meus simbólicos 15 anos, embasbacado diante da TV com a presença do Terminator no clipe de "You Could Be Mine", dos Guns'n'Roses, finalizado com uma sensacional encarada que Szwarzenegger dá em Axl Rose. Aquilo era legal demais. E o "Exterminador do Futuro 2" foi isso: legal demais. John Connor da minha idade, a perseguição de moto, o caminhão preto ensandecido, o robô-vilão líquido, tudo aquilo se encaixou perfeitamente no que eu esperava. A aura profética e apocalíptica já tinha se diluído, e talvez ninguém mais ligasse para aquilo - Sarah Connor iria salvar o mundo, o que importava agora era se divertir com o filme. "Terminator 2" foi o blockbuster perfeito.

Sarah Connor jogou o chip do mal no meio das lavas, derrotou o inimigo e, como todos sabem, o mundo não acabou em 1997. Eis então que agora, 12 anos depois do blockbuster de 1991 e longínquos 19 anos desde o mito de 1984, o Exterminador volta novamente ao tempo presente. E agora ele não vem fazer mais nenhuma previsão. Vem apenas dizer a John Connor que o fim do mundo é hoje mesmo, que não há tempo para mais nada e que ele tem a missão de protegê-lo. Afinal, um dia, John Connor salvará a humanidade. Talvez lá pela quinta seqüência.

Após tanto tempo, no entanto, é impossível não fazer uma pergunta - meu caro Exterminador, corte esse papo furado e me diga: o que o senhor veio de novo fazer aqui? E então, também é impossível não refletir: se o "Exterminador" original foi um verdadeiro mito e se o segundo filme foi uma baita diversão completamente antenada com seu tempo, esse "Exterminador 3 - A Rebelião das Máquinas" dá a sensação de que não tem nenhuma razão de existir. Mas é claro, não sejamos inocentes,  existe sim uma boa razão de existir: reativar uma marca forte e rentável para a atual indústria de seqüências. Mas, também é claro, não sejamos injustos: "Exterminador 3" é um bom filme de ação, com perseguições espetaculares e corre-corre do início ao fim.  Ainda assim, depois da tecnologia e complexidade de Matrix e comparado ao carisma dos heróis de HQ e suas adaptações cinematográficas, o "Exterminador 3" deixa a desejar mesmo como simples filme de ação.

Um ponto positivo inegável é que o próprio filme parece não se levar muito à sério. São várias as piadas auto-referentes (a lá "Panteras") que levam qualquer um que tenha assistido aos primeiros filmes às gargalhadas. Se for possível assisti-lo sem expectativas, portanto, o filme pode até agradar.

Mas aí se cria uma contradição, é duro, mas vamos ser verdadeiros: doze anos depois, frente à audiência da nova geração, "Exterminador 3" tem pouco a apresentar - seus efeitos especiais são fracos, sua estética já é ultrapassada. Por outro lado, para os saudosistas que, como eu, guardam os dois primeiros filmes no baú das recordações, é impossível não se decepcionar ao ver um ícone de infância interessado apenas em recolher os níqueis ainda disponíveis no mercado. "Exterminador 3" é isso - um disco dos Rolling Stones lançado em 2003. Muito mais do mesmo, mas muito pior.