"Old Boy"
por Gabriela Froes
Blog
15/06/2005

A primeira resenha que li sobre esse filme, antes mesmo de assisti-lo, usava a palavra "ultraviolência" para descrever a história de maneira geral. Imediatamente pensei no clássico Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971). Violência física e psicológica. É essa a minha idéia de "ultraviolência".

Mas dizer que Old Boy, de Chan-Wook Park, é um filme de clichês sobre a "ultraviolência", que copia idéias anteriores, seria uma injustiça (o filme ganhou, com justiça, o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2004). Além da palavra que os define, os dois filmes não têm maiores semelhanças. Em Laranja Mecânica, a violência dói aos olhos do espectador porque é teatralizada, porque a violência 'real' é construída pelo próprio espectador, mentalmente. Old Boy rompe com essa idéia, redefine "ultraviolência" e, de quebra, ainda arranca alguns dentes. Com um martelo.

Coréia do Sul, 1988. Ano das olimpíadas em Seul, primeiro ano sem o general Chun no poder. Fim da repressão. Oh Dae-su (Choi Min-sik), um homem de trinta e poucos anos, casado, uma filha, está numa delegacia, bêbado. A câmera parece tratar de um documentário; as cenas têm ângulos "jornalísticos", apesar dos cortes grosseiros. Caretas para a câmera, protestos. Um amigo aparece para buscá-lo.
O tom documental some.

O que aconteceu para que Oh Dae-su fosse parar em uma delegacia não é importante; o importante é que, enquanto seu amigo entra em uma cabine telefônica para avisar sua família que tudo está bem, ele desaparece. Por quinze anos. Dae-su acorda e se vê trancado no que parece ser um apartamento, com cama, banheiro, iluminação artificial e uma televisão, através da qual vê o tempo passar. Com a porta trancada por fora e uma abertura perto do chão por onde entram comida e bebida (iguais todos os dias), sem saber o porquê de estar trancado ali, sem saber quem é seu "seqüestrador", assim ele passa seus dias.

Primeiro, o desespero. Depois o medo. A insegurança. Muitas perguntas, nenhuma resposta. Alucinações. Sua mulher é morta e suas impressões digitais são encontradas ao lado do corpo. Sua filha é levada para longe. As notícias evidenciando o mundo que era seu, o tempo passando na tela da televisão, Dae-su parado no tempo. Mais perguntas. Folhas e folhas escritas em seus cadernos. O medo, que virou desespero, vira raiva. Ódio. Determinação. Desejo de vingança. Dae-su quebra todos os nós de seus dedos socando as paredes e se preparando fisicamente para seu inimigo, ainda sem rosto.

Em 2003 Dae-su é solto, acordando dentro de uma mala com seus cadernos e documentos, e não pensa em outra coisa senão a vingança - mas antes, vai a um restaurante fazer uma refeição decente (de acordo com seu julgamento). É quando conhece Mido (Kang Hye-jeong), uma jovem solitária que passa a suprir suas carências fazendo companhia, ajudando no quebra-cabeças, procurando por pistas que o levem até o homem que tomou sua vida.

Este homem acaba se revelando por vontade própria. Lee Woo-jin (Yu Ji-tae) quis ser encontrado. E a partir daí, a história se desenrola em uma série de perseguições, brigas e diálogos que, à primeira vista, parecem clichês bobos de algum filme que você já viu e nem lembra onde, mas no meio de cada cena, Old Boy rompe com tudo e cria novas surpresas. Mais violência física, sangue, socos, aparecem; mas a violência psicológica está longe de acabar. Oh Dae-su perde muito mais que quinze anos de sua vida. E o espectador sai do cinema 'mudo'; é preciso tempo pra expressar qualquear reação.

Mais do que um filme sobre a "ultraviolência", em Old Boy a palavra-chave é vingança. Chan-Wook Park mostra exatamente até onde vai o limite de um homem. Medo, desespero, insegurança, raiva, ódio, determinação, todos esses sentimentos são de domínio público, "descritíveis". Mas o que Oh Dae-su sente nas últimas cenas do filme não é algo que pode ser definido em palavras. Você deve estar se perguntando "por quê?", caro leitor, e respondo que continuo sem saber. Ou melhor, sei, mas não me convenço.
Me assusto.

Genial, inovador, e com uma trilha sonora que se repete durante o filme e sai do cinema com você, com 'flashbacks' acoplados em cada nota, randômicos, Old Boy é um filme sobre os limites da vingança, ou a falta deles. Pensando nisso, é possível encontrar ainda mais semelhanças com Laranja Mecânica: quando a sinfonia de Beethoven passa a causar náuseas em Alex, quando o que era paixão vira asco, é aí que está a ultraviolência. É aí que os filmes se encontram. E é aí o limite - ou deveria ser.


Site Oficial de "Old Boy"