"Depois Daquele Baile"
por Marcelo Miranda
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05/04/2006

Retratar a velhice e todas as suas idiossincrasias – proximidade da morte, necessidade de remédios, aproveitamento de momentos leves e efêmeros da vida – é a ambição maior de Roberto Bomtempo em sua estréia na direção. Homenagear Minas Gerais, estado onde foi criado, é outra intenção explícita em Depois Daquele Baile. Em ambos os objetivos, Bomtempo parece ter se empolgado. Peca pelo excesso, por certo tom caricatural e pelo mero simplismo das situações e do desenvolvimento de sua linguagem dentro do filme.

De cara, ele nos apresenta seus personagens principais: dois amigos idosos e a dona de uma pensão. Os três dividem tempo com uma outra senhora que só sabe falar de bingo e da viagem à Índia e com os aparentes empregados da pensão (nunca fica muito claro o que é o casal interpretado por Ingrid Guimarães e Chico Pelúcio). O cotidiano se resume a fartos almoços, danças dentro da sala e muito bate-papo sobre esquecer o passado, não se preocupar com o futuro e curtir o presente. Neste ponto, Depois Daquele Baile ensaia relacionamento de razoável interesse entre os protagonistas, ao mostrar a personalidade díspare dos amigos (Lima Duarte, boêmio e mulherengo, e Marcos Caruso, sisudo e cavalheiro), ambos atraídos pelo carisma e graça da senhora Irene Ravache.

É então que o filme parece cair numa tentativa louca de deixar claro o quanto esse simpático trio de velhinhos pode, sim, curtir a vida. E dá-lhe diálogos “juvenis”, encontros para comer e beber e um questionável, em toda a sua falsa mise-en-scène, passeio pelo parque de diversões – com direito a um momento particularmente constrangedor em que a câmera gira em torno de uma Ravache risonha. Bomtempo não perde a oportunidade de focar os rostos alegres dos personagens, estereotipando a terceira idade a ponto de explicitar ao máximo o quanto eles ainda são pessoas “aproveitáveis”. A intenção é das melhores, mas, cinematograficamente, o ator e diretor não consegue soar sincero nem natural. Tudo parece falsamente delineado demais, as falas, os comportamentos e as movimentações de câmera seguem o pressuposto do carpe diem e até mesmo alguns momentos se repetem (os amigos voltando papeando para casa), como se Bomtempo ainda não se satisfizesse em já apresentar determinados acontecimentos.

A certa altura, duas subtramas são inseridas no filme sem propósitos definidos, a não ser querer expandir conflitos que não precisavam sequer existir nos objetivos iniciais do enredo. O mais importante é o surgimento de um filho perdido; o outro engloba a desilusão do jovem empregado da pensão com a namorada, que não dá bola aos seus chamegos, e o mau-humor da empregada, que parece estar sempre emburrada com a vida, recebe telefonemas que fazem todos os idosos pararem para ouvir e, de uma hora para outra, decide abrir sorrisos e dar uma chance de aproximação ao colega de trabalho. Tudo jogado de forma atabalhoada na narrativa, em especial o caso do filho, que aparece do nada e vai a lugar algum.

Não fosse apenas isso, Bomtempo, na igualmente nobre tentativa de homenagear Minas Gerais, infesta seu filme de ícones que remetem ao estado, por mais deslocados que eles possam parecer: os personagens apenas almoçam feijão tropeiro, torresmo, couve e angu, tendo de sobremesa doces em compota; as paredes dos quartos exibem quadros com a bandeira mineira ou o escudo do Cruzeiro; a TV apresenta noticiário sobre o Atlético; os momentos de angústia são regados a pão de queijo em cestinhas; e todo mundo conversa falando “ocê”, “procê” e “concê”. É mineiridade demais para tão pouco tempo, o que deixa claro o olhar “estrangeiro” de quem conhece o estado, mas não é efetivamente integrante dele. Soa similar às novelas cariocamente nordestinas da Rede Globo, cujo exemplo cinematográfico mais recente é A Máquina, de João Falcão.

Há bons momentos em Depois Daquele Baile, é verdade. Os principais ficam por conta de Lima Duarte, muito à vontade com tiradas na maioria das vezes engraçadas e no contato que estabelece com a mulher e com o amigo. E também o olhar carinhoso que Bomtempo imprime ao universo que retrata, a começar pela poesia do título – o “baile” seria a representação de um tempo que já passou, e o filme está nos mostrando justamente o seu “depois”. O cineasta apenas não precisava ser tão condescendente. Devia se liberar mais, dar-se mais leveza na direção e no encadeamento de seu filme, mesmo que retratando o limiar da vida, tema que pede certa sobriedade. Talento e ousadia para isso, ele tem – vide sua relação próxima com o teatro de Plínio Marcos (de quem ele dirige a adaptação de Barrela e foi responsável pela realização do longa Dois Perdidos numa Noite Suja, de José Joffily). Faltou colocar essa bagagem em prática.


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