"O Código Da Vinci"
por Marcelo Costa
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21/05/2006

Com mais de 45 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, segundo cálculos do jornal The New York Times, O Código Da Vinci, de Dan Brown, é o maior best seller do novo século. Lançado em 2003, e já traduzido para 44 idiomas, o livro se tornou este sucesso avassalador ao resgatar uma das principais teorias conspiratórias existentes no mundo em todos os tempos: a de que Jesus foi casado com Maria Madalena, e desta união nasceu uma filha, que deu origem a uma linhagem carnal existente até os dias de hoje. Para ambientar sua história, Dan Brown incluiu alguns personagens famosos na trama, cujo nome mais celebrado é o do cientista e pintor Leonardo Da Vinci, que pintou a "Mona Lisa" e "A Última Ceia", entre outras obras. Um código encontrado nos quadros de Da Vinci poderia revelar a herdeira de Jesus Cristo na Terra.

A adaptação para o cinema do livro de Dan Brown, assinada por Ron Howard (direção) e Akiva Goldsman (roteiro), começou a criar polêmica antes que cena alguma houvesse sido filmada. A Igreja pressionava Hollywood contra aquilo que ela chamava de uma "vulgarização da história católica" cuja farsa conspiratória ataca o Opus Dei (seita ultraconservadora cristã), exibe uma sociedade secreta denominada Priorado de Sião (cuja função através dos tempos foi proteger os descendentes de Jesus) e destaca a busca eterna pelo Santa Graal. Com um tema espinhoso (porém, bastante interessante) nas mãos, Ron Howard e Akiva Goldsman, ambos oscarizados por Uma Mente Brilhante, realizaram um rascunho de thriller, cujos elementos básicos inerentes ao estilo se fazem presente, mas não são trabalhados de forma a dar personalidade ao filme. O Código Da Vinci parece muito mais aula de história do que cinema.

O primeiro ponto contra a produção surge da escolha do elenco. Tom Hanks é um grande ator, mas está totalmente descaracterizado no papel de Robert Langdon, professor em Harvard que estuda a simbologia religiosa. Talvez amparados pela idéia central do livro - a de que Jesus era humano, não divino -, Ron Howard e Akiva Goldsman criaram um herói que nada têm de herói. O Robert Langdon de Tom Hanks não cria empatia. É um personagem distante, evasivo, cuja maior característica heróica - o conhecimento de história - é usada comumente de forma não gloriosa. O filme desperdiça o conhecimento de Langdon através de um roteiro que não cria momentos de tensão, nem clímax e muito menos sedução. De forma tolamente linear, O Código Da Vinci exibe um personagem central pouco à vontade na posição de personagem central.

Esta falha exibida no principal personagem do filme é elevada à décima potência com a entrada em cena de Silas, interpretado por Paul Bettany. Silas é um membro do Opus Dei, domesticado pela religião que o salvou da pseudoloucura, pelas mãos do bispo Manuel Aringarosa (Alfred Molina). Silas é um fanático que mata em nome da religião, cabra mandado pela alta cúpula da seita secreta da Igreja para realizar os serviços sujos que precisam ser feitos, e que alguém têm que faze-los. Se a verossimilhança supõe ser verdadeira (assassinatos em nome da fé ocorrem aos milhares desde sempre - e a Igreja Católica nunca foi a única a comete-los), incomoda, no entanto, a construção do personagem de Paul Bettany, tão estereotipado que causa risos ao invés de pavor. A forma domesticada de Silas é real, mas a maneira como o ator representa esta domesticidade é totalmente patética.

Se por um lado, dois personagens centrais foram tratados com desleixo, os demais não comprometem tanto a obra. Audrey Tatou (como a criptologista Sophie Neveu) tem uma atuação correta assim como Ian McKellen (Sir Leigh Teabing), sendo que este último surge preenchendo a tela com brilhantismo, mas acaba descaracterizado pela história conforme a trama se desenrola. Interessante é a participação de Jean Reno (como o detetive Bezu Fache), cujo papel é um dos mais simples - e talvez por isso - e mais acertados de todo o filme. O detetive Fache é membro do Opus Dei, e persegue o professor Robert Langdon por um crime de assassinato, em uma pista entregue por um representante da Igreja. Jean Reno usa essa pequena informação narrativa para levar seu personagem ao extremo da relação pecado e culpa. Quando percebe que foi manipulado tal qual uma marionete, Fache é abençoado com a decepção, em um dos momentos mais interessantes de O Código Da Vinci. O grande problema da película é que existem raros momentos interessantes como este, e sobra muita obviedade em meio a um blá blá blá teólogo.

Como literatura, Dan Brown explora o ramo ficcionista entremeando sua narrativa de fatos históricos e personagens reais. O resultado desenha uma história particular que até têm seus atrativos no gênero romance, mas perde crédito quando encarado seu valor histórico, real, palpável. Assim sendo, "O Código Da Vinci" fica no meio do caminho entre ser romance ou livro de História (com H maiúsculo). Obrigatório observar que ele é o primeiro e não o segundo, por mais que o autor insista o contrário. Já como cinema, Ron Howard cria a expectativa de um thriller, mas faz apenas um rascunho do estilo. O roteiro se propõe didático, mas acaba soando exagerado ao menosprezar o espectador (a cena que "explica" como Robert e Sophie fogem ao deixar um avião é extremamente constrangedora) tratando todos os assuntos como uma pergunta de aluno para professor em sala de aula. Com tudo isso, o conteúdo polêmico se sobrepõe à forma, mas não salva o filme do fracasso.

Dan Brown fez sucesso e fortuna recheando a temática conspiratória de seu livro com enigmas espalhados por quadros de Leonardo Da Vinci, incluindo na trama rocambolesca Isaac Newton, Victor Hugo e Claude Debussy. Ron Howard escolheu ambientes escuros, ruas pouco iluminadas e uma bela fotografia aérea de Paris, mas não conseguiu ambientar de forma inteligente/instigante uma trama extremamente clichê, que também soa interessante, resultando em um filme burocrático, arrastado e nada enigmático. O espectador - se quer ver um bom filme sobre Jesus e Maria Madalena - pode procurar nas locadoras A Última Tentação de Cristo, do genial Martin Scorsese. Se o assunto é o Santo Graal, nada como o clássico Monty Python Em Busca do Cálice Sagrado. Se você quer saber sobre a História da Igreja Cristã, de Jesus, Maria Madalena, Leonardo Da Vinci e o Santo Graal, milhares de publicações podem ser consultadas e confrontadas. Até vale arriscar uma ida ao cinema para ver "qualé", mas não deixe se enganar pelos números de bilheteria do filme e nem pela vendagem astronômica do livro. O Código Da Vinci é um simulacro de literatura e de cinema.

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Site Oficial - O Código Da Vinci