"Clube da Lua"
por Marcelo Costa
E-mai
14/03/2006

É incrível a naturalidade com que os argentinos conseguem contar histórias que refletem exatamente o pensamento e a vida da classe média urbana. O cinema brasileiro, por exemplo, é exímio em sua fixação pela pobreza (seja retratando a marginalidade ou o sonhar de um povo pobre que mantém a dignidade), mas não consegue retratar com fidelidade o que acontece na vida comum das pessoas de classe média. Cada novo filme argentino fala mais sobre nós, brasileiros, do que qualquer filme brasileiro recente. É uma qualidade do cinema portenho que precisa ser reconhecida e admirada.

Clube da Lua é a terceira "parceria" do diretor e roteirista Juan José Campanella com o ator Ricardo Darín, principal nome do cinema argentino na retomada dos portenhos pelo apreço à sétima arte. Darín protagonizou alguns dos melhores filmes da safra recente do cinema argentino se destacando em Nove Rainhas (2000), Kamchatka (2001), Um Mesmo Amor Uma Mesma Chuva (1999) e O Filho da Noiva, os dois últimos sob a direção de Campanella. Destes, Nova Rainhas ganhou um remake norte-americano inferior ao original e O Filho da Noiva recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Tanto o nome do diretor quanto o do ator conferem credibilidade à película, mas Clube da Lua acaba por não honrar as expectativas criadas pela parceria. Campanella centra foco novamente na beleza dos derrotados (assim como faz Cameron Crowe, outro especialista no tema) procurando mostrar que um pouquinho de dignidade não faz mal a ninguém. Esse apreço pelo lado "loser" de ser encontra facilidade de representação em um país que ainda sofre pela derrocada econômica, porém o diretor não precisava carregar com tamanha pieguice a trajetória moral de seu personagem principal. Faz pensar que o resultado que conquista do público é o inverso do que desejava já que sua trajetoria não sugere orgulho e sim pena.

Na história de Clube da Lua, Darín é Román Maldonado, um dos membros da diretoria de um clube recreativo que, assim como muita coisa na Argentina, já viu e viveu dias melhores. A marca de um passado glorioso está apenas na lembrança de seus poucos sócios. Eram oito mil pagantes mensais no passado que agora se converteram em apenas 300 e poucos insistentes sonhadores. O dinheiro arrecadado não consegue dar conta da infra-estrutura do clube que, para desespero da diretoria, ainda é multado em 40 mil Pesos pela prefeitura por não apresentar nenhum balanço anual em 15 anos. "Como apresentar um balanço se entra no caixa 1000 pesos e saí 1200?", pergunta Román a um político. A derrocada do clube chega ao seu ápice quando a diretoria recebe uma oferta de compra do local para a posterior transformação em um cassino.

Neste ponto da história se instala um interessante dilema moral: abandonar os sonhos por uma possível oferta que poderá se transformar em 200 empregos para os moradores da região ou tentar manter o clube vivo, mas sem as mínimas condições financeiras para sustenta-lo? Recorrendo a Kar-Wai em 2046: "Só quem não aceita um 'não' consegue tudo aquilo que quer, mas também é preciso reconhecer a hora de desistir". O dilema, no entanto, perde força no roteiro de Clube da Lua. Campanella cria pequenos núcleos narrativos que não se desenvolvem a contento e tiram o brilho do tema principal. O roteiro, por várias vezes, parece perdido ao tentar abraçar todos os personagens. Essa perda de foco é um dos principais problemas do filme, que ainda se ressente de uma história forte, que cative e emocione o espectador sem soar piegas.

O personagem de Ricardo Darín não consegue conquistar simpatia com seus sonhos. Em sua posição de derrotado, Román sugere mais sentimento de pena do que de admiração. Uma vida dedicada a um projeto que não rendeu frutos financeiros além de criar problemas na rotina familiar, afastando o homem da esposa e de seus filhos. O que deveria funcionar como um belo tema (o apreço de um homem por seus sonhos) acaba por soar derrotista demais. "No fim, o capitalismo vence, mas ainda podemos lutar", sugere Campanella.

A imagem cansada e sofrida de seu personagem principal, porém, indica que o tempo passa e é melhor ficar bastante atento a ele e aos seus sonhos, pois devemos consumir nossos sonhos, não sermos consumidos por eles. A contragosto, Campanella acaba por criar um filme que funciona muito mais pelo temor do que pelo orgulho. Como um tiro que saí pela culatra, Clube da Lua prova que, para os derrotados, ser sonhador é pagar um preço alto demais em uma vida que passa rápido demais. Ao tentar homenagear um homem por seus sonhos, Campanella acabou o tornando tolo demais.

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