"Cinema, Aspirinas e Urubus"
por Drex Alvarez
Blog
18/01/2006

Cinema, Aspirinas e Urubus é o melhor filme nacional de 2005, caiu na graças da crítica e do público e não despreza, de maneira nenhuma, a qualidade já tão comentada de Cidade Baixa, o outro longa que tem encabeçado as listas de melhores brasileiros do ano passado. Cidade Baixa é todo energia, libido à flor da pele transpirando em forma de sexo e pancadaria. Merece salva de palmas, portanto. Cinema, Aspirinas e Urubus, no entanto, oferece o original e a novidade que há tempos não se viam nas películas nacionais.

Quer coisa mais inusitada que um vendedor de aspirinas alemão vagando pelos áridos rincões nordestinos durante os os anos 40? E que, ainda por cima, recorre ao encanto do cinema-mambembe para promover suas pílulas milagrosas? Uma história simples e crível que, ao mesmo tempo, adquire um tom de fábula e fantasia. Não tem sido comum o cinema brasileiro recente conseguir alcançar essa singela síntese.

A fábula construída pelo cineasta estreante Marcelo Gomes é, antes de tudo, sobre a construção da confiança e da amizade entre dois homens. Em sua jornada solitária pelo sertão, o alemão Johann oferece carona ao nordestino Ranulpho. Dentro de um caminhão verde, cheio de aspirinas e filmes de propaganda, as duas personalidades e culturas se embatem e se exploram. Ranulpho vira guia e, depois, aprendiz de Johann. São ambos, no entanto, que ganham a oportunidade de aos poucos conhecer as habilidades, experiências e esquisitices do outro.

O ritmo lento e a secura da paisagem são constantes, mas o filme escapa, de longe, de qualquer tédio. Principalmente devido à naturalidade e ternura dos personagens. O ator Peter Ketnath (alemão de verdade) cria um Johann cheio de gentileza e simpatia, sem perder a sobriedade germânica. Mas a surpresa mesmo é João Miguel, interpretando Ranulpho como um matuto desconfiado e ranheta, mas ainda assim cativante.

Cinema, Aspirinas e Urubus encerrou com saldo positivo a safra 2005 do cinema nacional. Além dele e do já citado Cidade Baixa, também vale a pena lembrar de mais dois ótimos filmes que, talvez por terem sido lançados no primeiro semestre, ficaram um tanto esquecidos nas listas de melhores do ano: Cabra-Cega, de Toni Venturini, e Quase Dois Irmãos, de Lúcia Murat.

Certamente ainda não produzimos um cinema urbano, cotidiano e contemporâneo com a primazia que os argentinos, por exemplo, são capazes. Mas já estamos filmando neste rumo. E estes quatro filmes citados, pelo menos, nos oferecem uma perspectiva otimista.


Site Oficial - 'Cinema, Aspirinas e Urubus'

Leia também:
Cidade Baixa, por Marcelo Costa
Quase Dois Irmãos, por Marcelo Miranda