Água Negra
por Marcelo Hessel
Fotos - Site Oficial
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16/08/2005

Hollywood não costuma inventar em matéria de remake. Às vezes, até contrata o mesmo diretor para fazer o mesmo filme com elenco novo, como foi o caso de Takashi Shimizu, autor d'O Grito oriental e do ocidental. Surge como dupla boa notícia, portanto, o nome de Walter Salles na direção de Água Negra (Dark Water, 2005), refilmagem estadunidense de Honogurai Mizu no Soko Kara (de Hideo Nakata, 2002). Primeiro, porque é um brasileiro em destaque por lá. Depois, principalmente, porque Salles faz o filme do seu jeito.

Por "seu jeito" - já que se trata da estréia do diretor de Central do Brasil (1998) e Diários de Motocicleta (2004) no gênero do terror - leia-se um filme com pegada setentista, à moda de O Exorcista (1973) e dos suspenses opressivos de Roman Polanski. Não interessa a Salles, ainda que se mantenha fiel à premissa original, pregar sustos fáceis. O filme de Nakata já era bem econômico neste sentido, mas tinha lá seus vultos no espelho, no elevador, suas crianças correndo diante de portas abertas. Salles reduz ainda mais esse tipo de recurso barato.

Ele sabe que sustos só servem para extravasar a tensão psicológica que ele faz questão de represar. O único artifício que Salles preserva é, evidentemente, o líquido lodoso que sai de torneiras e pinga do teto. Já reparou como todo filme de terror tem o seu problema de encanamento, com banheiras transbordando? Pois aqui a água, protagonista, está por todo lado.

Não pára de chover em Roosevelt Island, anexo pobre de Manhattan, com seus prédios customizados para abrigar centenas de famílias. É para lá que se muda Dahlia (Jennifer Connelly) com sua filha Ceci (Ariel Gade, um achado) depois de se separar do marido (Dougray Scott). Ele reclama da distância, diz que é provocação para dificultar suas visitas, ameaça pedir a guarda da menina na justiça. Dahlia diz que o aluguel barato, o metrô e a escola na porta de casa contaram mais. E basta ver o apartamento para conferir o sacrifício que elas fazem. O lugar é um buraco.

O malandro Mr. Murray (John C. Reilly), administrador do prédio, tenta dissimular o indisfarcável. "É a chuva", diz ele, diante das goteiras que dominam o cubículo apertado, escuro, depressivo. Bem, Dahlia não demora para descobrir que o problema não é a chuva.

Até aqui, a fotografia de Affonso Beato - veterano deO Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Deus é Brasileiro (2003), entre outros, em sua primeira colaboração com Salles - dá conta de instaurar o ambiente tenebroso. A grande sacada de Salles, a partir deste ponto, é intercalar manifestações sobrenaturais com evidências de que elas são só paranóia de Dahlia. Manter o pé no naturalismo, até onde for possível, é importantíssimo dentro da sua proposta: tratar da família.

Afinal, a preocupação da personagem de Jennifer Connelly (que compreendeu bem o que o diretor queria) é manter a filha ao seu lado. O marido reclama, seu emprego paga mal, a escola da menina não vai bem e o teto periga desabar em sua cabeça. Tudo conspira para afastar as duas - e, na visão de Dahlia, a estranheza que toma o apartamento é apenas parte dessa conspiração.

Nakata, também criador d'O Chamado original, não tem essa preocupação - ou esse cuidado, dependendo do ponto de vista - porque a sociedade japonesa é menos emotiva - ou sentimentalóide, dependendo também do ponto de vista. E os suspenses japoneses atuais são prioritariamente detetivescos. Tem-se um mistério do além e tem-se uma pessoa, afetada por uma espécie de maldição, que só se libertará quando solucioná-lo. Água Negra funciona melhor que o original porque não privilegia o fantasma, mas a maldição; não a causa, mas o efeito.

Leia também:
"O Chamado 2", por Marcelo Costa
"O Grito", por Marcelo Miranda

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Site Oficial do filme "Água Negra"

Texto cedido pelo site Speculum