Dogma
por
Alexandre Petillo
"Vocês
são 'de maior' "?, pergunta a garota que vende os ingressos
no guichê do cinema, a despeito da barba por fazer na
minha e na cara de outros dois amigos. Respondi com aquele risinho
"o que que você acha?". Ela me deu os três ingressos
e adentramos o recinto para ver – o temido, o destruidor, o
blasfemo, o profano – Dogma, uma nova comédia
de Kevin Smith, de Procura se Amy e O Balconista.
Dogma, você sabe, desde bem antes de ameaçar
estrear em terras brasilis vem sendo atacado por católicos
fervorosos, com o intuito de proibir a exibição
do filme no nosso país de moral irretocável, acusando-o
de ofensivo a religião. A polêmica foi parar no
Ministério da Justiça, e debates sobre os efeitos
nefastos desse tipo de censura pipocaram em todos os cantos.
No final, Dogma foi boicotado pelos grandes cinemas,
ficando restrito aos circuitos alternativos.
Mas se você esteve em outro planeta durante esses acontecimentos
e por acaso não sabe do que se trata o filme, aí
vai uma breve explicação. A trama narra a história
de dois anjos, Loki e Baterbly (os chapas Matt Damon e Ben Affleck),
que foram banidos do céu e condenados a passar toda a
eternidade na Terra. Depois de receberem uma carta anônima
contendo instruções de como voltar às nuvens,
a dupla alada decide levar a cabo a idéia, o que se acontecer,
pode condenar toda a existência.
Para impedi-los, as forças divinas enviam um grupo de
heróis formado por: Bethany (Linda Fiorentino), a última
descendente de Maria, que trabalha numa clínica de aborto
para ganhar o pão de cada dia; Rufus (Chris Rock) o 14º
apóstolo que nunca fora mencionado nas santas escrituras
porque é negro; Muse (Salma Hayeck, inspiradora! ), a
encarnação das musas dos maiores artistas da humanidade,
que agora busca fama e fortuna por conta própria; e,
ainda, os profetas Jay e Silent Bob, este último interpretado
pelo próprio Kevin Smith. A partir daí, piadas
sobre o catolicismo e questionamentos sobre ter ou não
ter religião inundam a tela. Ah, e sim, é esse
o filme em que Alanis Morrissete faz o papel de Deus.
Mas não há muito com o que a igreja se preocupar,
como sempre é muito barulho por nada. O que Kevin Smith
propõe, qualquer um com mais de dois neurônios
já sabe: que o catolicismo é uma farsa, que a
igreja católica é uma instituição
decadente, que ir a missa aos Domingos tem tanto valor quanto
ir a um show de rock e que Deus não é um velhinho
barbudo que fica apontando o dedo para você o tempo todo.
Mas o que mais deve ter irritado e perturbado os católicos
foi que Kevin Smith não mediu palavras para dizer que
o padre da sua paróquia está muito mais interessado
no seu dízimo do que na vela que você acende na
capela. Desde a sua fundação, a igreja usou
e abusou da fé dos seus seguidores para encher os cofres.
Porém, os protestos organizados para proibirem o filme
revelaram um outro fator ainda, este, tipicamente brasileiro:
o colonialismo cego dissimulado na nossa sociedade. As organizações
católicas que lideraram os protestos, formadas por donas
de casa cuja emoção maior é ver o romance
de Giuliana e Matheu, escancaram a péssima mania de importar
qualquer coisa inventada pelos americanos, seja para o bem ou
para o mal. Dessa vez, junto com o politicamente correto importaram
a idiotice. Censuraram sem ver, criticaram sem ao menor ter
visto o trailler do filme. Como essas senhoras da tão
nobre TFP (Tradição, Família e Prosperidade)
poderiam massacrar o filme sem tê-lo visto? Apenas porque
a matriz ianque assim o fez. Se Deus nos deu um cérebro,
por que não posso usá-lo? Se nos foi concedido
o livre arbítrio, por que não posso usufrui-lo?
E o que é mais grave, quem outorgou a essas senhoras
o direito de escolher por mim o que eu posso ver? Vai ao cinema
quem quer. Talvez por que o filme estimulasse o pensamento próprio,
sem qualquer influência, o que pode fazer com que o catolicismo
perca mais adeptos. Vai que neguinho descobre que não
é preciso doar mais dinheiro para a igreja para que a
sua fé se fortifique.
Mas diante de tudo isso, o filme de Kevin Smith é ótimo.
Tem um roteiro ágil e diálogos engraçados.
Além daquelas cenas antológicas típicas
do estilo do autor. E, no fim, revela-se bem carola, pregando
que na vida, acima de tudo, devemos ter fé, mesmo sem
religião. O que sempre importou foi a fé, não
importa em quê. Vale a pena ver. Não perca. Assista
na primeira oportunidade, mesmo que para isso você deixe
de ir na missa de Domingo...
|
|