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De Bruce Springsteen para Philip Roth

Terminei a bio do Bruce e raras vezes li algo tão pessoal e comovente, tão confidente. O fato de ser um herói pessoal e abrir-se mostrando seus defeitos e sua intensa luta contra a depressão (ainda hoje) torna a experiencia muito mais palpável, como se fosse um amigo que a gente admira contando seus causos. Daqueles livros que fazem você admirar ainda mais o autor. Bem, seguindo um acordo que fiz com a Lili, alternarei um livro de música e um romance este ano (a ideia é voltar a ler um livro por mês) então partiu para Philip Roth (eu já tinha deixado “O Complexo de Portnoy” na fila muito antes do Roth elogiar a bio do Bruce. Acabou sendo uma feliz coincidência).

fevereiro 16, 2018   No Comments

Bruce Springsteen explica “Born in the USA”

“Alguns livros, algumas palhetas de guitarra espalhadas e um suporte de gaita se digladiavam com as migalhas de um lanche, roubando espaço do meu bloco de notas. Um abajur antigo iluminava o roteiro que estava em cima da mesa e que havia sido enviado por Paul Schrader, roteirista que havia escrito “Taxi Driver” e “Vivendo na Corda Bamba”, dois dos meus filmes favoritos dos anos 70. Toquei alguns acordes na minha Gibson J200 queimada pelo sol, percorri as folhas do meu bloco de notas, parei numa página e murmurei o verso de uma canção em que estava trabalhando sobre os veteranos da Guerra do Vietnã que voltavam para casa. Dei uma olhada na primeira página do roteiro ainda por ler e cantei o título: “Born in the USA”.

Peguei “Born in the USA” diretamente do roteiro do Schrader, uma história sobre as aventuras e desventuras de uma banda de bar de Cleveland, Ohio, que acabou por ser lançado com o título de “Light of Day” em 1987 (no Brasil, “Luz da Fama”), incluindo uma canção minha com o mesmo título, tentativa educada de retribuir ao Paul aquele roubo imprevisto que acabaria por dar um empurrão à minha carreira. No estúdio Hit Factory, observei que tinha em mãos uma letra, um grande título, dois acordes e um riff de sintetizador, mas não tinha um arranjo. Era o nosso segundo take. Um turbilhão de som vindo do amplificador Marshall soou nos meus fones. Comecei a cantar. A banda me seguiu de perto num arranjo improvisado e, na bateria, Max Weinberg fez uma de suas melhores atuações em estúdio. 4 minutos e 39 segundos depois, “Born in The USA”, a música, ficava pronta. Soava como se tivéssemos conseguido prender um relâmpago dentro de uma garrafa.

13 anos depois do fim da Guerra do Vietnã, escrevi e gravei a minha história de um soldado. Era uma canção de protesto, e quando a ouvi trovejando através das gigantescas colunas do estúdio, soube logo que era uma das melhores coisas que já tinha feito. Era um blues de soldado americano, em que os versos eram um relato do que aconteceu, e o refrão uma declaração da única coisa que jamais poderia lhe ser negada: o lugar do nascimento, o direito a todo o sangue, confusão, bênçãos e graça que vinham com ele. Ao darmos corpo e alma, ganhamos o direito de reclamar e moldar o pedaço de terra onde nascemos.

“Born in The USA” se mantém como uma das minhas melhores e mais incompreendidas canções. A combinação dos seus versões blues “para baixo” com o refrão declarativo “para cima”, a exigência do direito de ter uma voz patriótica “crítica”, juntamente com o orgulho do lugar onde se nasce, parecia ser conflituosa demais (ou simplesmente incômoda!) para ouvidos despreocupados e menos perspicazes. É assim, meu amigo, que a bola do pop político pode rolar. Os discos são, muitas vezes, testes auditivos de Rorschach: ouvimos aquilo que queremos ouvir.

Durante anos e anos após o lançamento do meu álbum campeão de vendas, na época do Halloween, havia sempre criancinhas com bandanas vermelhas batendo à minha porta, com seus sacos de doces ou travessuras na mão e cantando ”I was born in the USA”. A canção “This Land Is Your Land”, de Woody Guthrie, acabou tendo o mesmo destino, tornando-se presença habitual nas férias em acampamentos, mas isso não me fazia sentir melhor (quanto Pete Seeger e eu cantamos “This Land Is Your Land” na posse do presidente Barack Obama, um dos pedidos do Pete foi que cantássemos todos os contraversos escritos por Woody, pois ele queria recuperar a radicalidade da canção).

Em 1984, ainda por cima um ano de eleições, com o Partido Republicano querendo cooptar até o cu de uma vaca se houvesse uma tatuagem da bandeira dos Estados Unidos nele, o presidente em exercício, Ronald Reagan, acabou distribuindo cinicamente por todo o Estado o seu agradecimento à “mensagem de esperança nas canções… do filho de New Jersey, Bruce Springsteen” numa estratégia de campanha, e, bem… vocês sabem o resto. Em contrapartida, Bobby Muller, àquela altura presidente do Vietnam Veterans of America, foi o primeiro cara a quem mostrei a versão final de “Born in The USA”. Ele entrou no estúdio, sentou-se e aumentei o volume. Ele escutou durante alguns momentos e depois deu um largo sorriso.

Um compositor escreve para ser compreendido. Será uma tomada de posição política? Será que o som e a forma da canção transmitem o seu conteúdo? Vindo do disco “Nebraska”, eu tinha acabado de fazer isso de ambas as formas, mas aprendi uma lição de como o pop e a imagem do pop eram apreendidos. Ainda assim, eu não teria feito qualquer desses discos de forma diferente. Ao longo dos anos, tenho tido a oportunidade de reinterpretar “Born in the USA”, especialmente em versões acústicas que dificilmente seriam mal-entendidas (há, inclusive, uma versão acústica no box “Tracks”, de 1998), mas mesmo essas reinterpretações eram sempre comparadas com a versão original, e ganhavam parte de seu novo poder a partir da experiência anterior que o público tivera com o álbum. No disco, “Born in the USA” surgia na sua versão mais poderosa. Se eu tentasse enfraquecer o alterar a música, acredito que até poderia ter ficado com um disco que teria sido mais facilmente compreendido, mas que não seria tão gratificante.

“Born in the USA”, o álbum, foi um sucesso em escala planetária. Eu sabia que tinha uma verdadeira vencedora na canção título, mas não esperava a onda maciça de reconhecimento que obtivemos. Terá sido o timing? A música? Os músculos? Não sei. É sempre mais ou menos um mistério o que provoca um sucesso tão gigantesco”. 

Trecho de “Born To Run – Uma Autobiografia”, de Bruce Springsteen

Nascido numa cidade de um homem morto (1)
O primeiro chute que recebi foi quando caí no chão
Você acaba como um cão que foi surrado demais
E que gasta metade da sua vida só se escondendo

Nascido nos EUA, eu nasci nos EUA
Eu nasci nos EUA, nascido nos EUA

Me meti numa pequena confusão em minha cidade natal
Então eles colocaram um fuzil na minha mão
Me enviaram para uma terra estrangeira
Para ir e matar os homens amarelos

Volto para casa, para (o trabalho n)a refinaria
O homem que contrata diz: “Filho, se dependesse de mim”
Mostra para ele minha carteira de veterano de guerra
Ele diz: “Filho, você não está compreendendo”

Eu tinha um irmão em Khe Sahh, combatendo os Vietcongues
Eles ainda estão lá, mas se morreu
Ele tinha uma mulher que amava em Saigon
Eu tenho uma foto dele nos braços dela

Debaixo da sombra da prisão
Ou perto das chamas de gás da refinaria
Estou há 10 anos sem rumo
Nada para fazer, nenhum lugar para ir

Nascido nos EUA, eu nasci nos E.U.A
Nascido nos EUA, sou um pai ausente nos EUA

Nascido nos EUA, eu nasci nos E.U.A
Nascido nos EUA, sou um pai bacana agitando nos EUA

****

(1) Dead man’s town significa “cidade de um homem morto”, uma expressão que sugere uma cidade sem grandes oportunidades de trabalho que perde a mão de obra de sua população jovem, que migra para locais com maiores perspectivas.

Leia também:
– Bruce Springsteen e o fotógrafo Frank Stefanko (aqui)
– “Wrecking Ball”, retrato do lado podre das pessoas  (aqui)
– A passagem da turnê “Wrecking Ball” por Trieste (aqui)
– “Working on a Dream” não é ruim, o nível é que é alto (aqui)
– “Magic” fica abaixo de outros álbuns de Bruce(aqui)
– “The Promise” resgata do limbo canções sensacionais (aqui)
– Três horas de Bruce Springsteen ao vivo em Roma (aqui)
– Discografia: todos os discos de Bruce Springsteen (aqui)
– Bruce Springsteen ao vivo em São Paulo (aqui)

fevereiro 15, 2018   No Comments

Bruce Springsteen e Frank Stefanko

Após um ano inteiro de intermináveis horas de estúdio (…), completei o meu primeiro álbum dos últimos três anos. Agora só precisávamos de uma capa. Conheci Patti Smith por meio da nossa colaboração em “Because The Night”. Quando a visitei durante um de seus shows, ela me passou o contato de um fotógrafo no Sul de Jersey e me disse: “Você devia deixar esse cara fotografar você”. Numa tarde de inverno, dirigi para me encontrar com Frank Stefanko. O Frank tinha fotografado Patti quando ela estava no início de carreira.

Durante o dia, ele trabalhava numa fábrica local que embalava carne e, no tempo livre, dedicava-se à fotografia. Era um cara meio grosso, mas fácil de lidar. Segundo me lembro, ele pediu emprestada uma câmera para esse dia, chamou um garoto, seu vizinho, para ele vir segurar o único foco que possuía e começou a fotografar. Eu encostei no papel florido que cobria a parede do quarto dele e da mulher, olhei diretamente para a lente, mostrei-lhe o meu melhor ar de “jovem perturbado” e ele fez o resto. Uma dessas fotos acabou na capa de “Darkness on the Edge of Town”.

As fotografias de Frank eram fortes. O talento dele era conseguir que despíssemos a nossa capa de celebridades, as nossas artificialidades e ir ao nosso âmago. As suas fotos tinham uma qualidade de pureza e poesia das ruas. Eram belas e verdadeiras, mas sem nenhuma suavidade. O Frank procurava a nossa coragem interior e teve uma intuição natural sobre os conflitos com que eu andava lutando internamente. As fotografias dele captavam as pessoas sobre as quais escrevia nas minhas canções e me mostravam a parte do meu ser que ainda era uma delas. Tivemos outras opções para a capa, mas que não tinham aquela voracidade das fotografias de Frank.

Trecho de “Born To Run – Uma Autobiografia”

janeiro 17, 2018   No Comments

Scream & Yell Discos 29: Bruce

O tema deste programa é o imperdível box de 15 CDs “The Complete 1978 Radio Broadcasts”, de Bruce Springsteen & the E Street Band! De quebra, eu dou uma peneiradinha na carreira do Chefão até o período. Assista abaixo!

Mais Dicas Scream & Yell

outubro 17, 2017   No Comments

A diversão de Bruce Springsteen ao vivo

Pra quem não conhece a rotina de um show tradicional de Bruce Springsteen, cerca de metade do repertório (que equivale a 1h30 de show) é retirado de cartazes que Bruce resgata do meio do público. Alguns fãs capricham em folhas de cartolina com recadinhos enquanto outros vão lá e escrevem apenas o nome da música que querem ouvir. Vale tudo. Bruce então escolhe um cartaz, vira pra banda, e “one, two, three” e lá vamos nós.

Num dos três shows que vi dele, na Itália, uma garota pedia: “Dance with my mom, please”. E durante “Dancing In The Dark” ele atendeu. No sensacional show de São Paulo em 2013, o William levantou o cartaz: “Boss, let me ask her to MARRY ME in your stage! She’s the One”. Bruce os puxou para o palco e ele pediu a Rafaela em casamento na frente de seis mil pessoas… e ainda dançou “She’s the One”, um clássico do álbum “Born to Run”. E tem o comovente vídeo da garotinha de quatro anos em Oslo.

Em Leipzig, na Alemanha, 2013, Bruce pegou um cartaz de um fã que queria ouvir “You Never Can Tell”, clássico de Chuck Berry de 1964 também conhecido como a canção que embala Vincent Vega e Mia Wallace em “Pulp Fiction”. Bruce havia tocado essa canção antes apenas três vezes na vida: uma em 1974 e duas em 2009, e o vídeo abaixo mostra ele e banda tentando lembrar acordes e o tom da canção… na frente de 45 mil pessoas. Era apenas a sexta canção do show (foram 27 no total). Assista!

Leia também:
– Bruce Springsteen ao vivo em São Paulo: Inesquecível (aqui)
– Discografia comentada: todos os discos de Bruce Springteen (aqui)

janeiro 13, 2017   No Comments

Bruce e uma garotinha de 4 anos em Oslo

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Os shows de Bruce Springsteen duram, invariavelmente, cerca de três horas… todas as noites desde os anos 70 (ok, um ou outro passou de quatro horas). E neste longo espetáculo, Bruce não deixa o palco um segundo sequer, nem na hora do bis, quando a banda toda sai e ele faz um ou dois números solo até a banda voltar. Há vários momentos que se repetem show após show: ele tira pessoas da plateia para dançar no palco com ele e com os integrantes da banda em “Dancing In the Dark” (repetindo a cena do clipe original com Courtney Cox), pega cartazes que os fãs fazem com todo carinho pedindo músicas (em São Paulo, um rapaz não só pediu a música “She’s The One” como também queria pedir a namorada em casamento, e Bruce os trouxe para o palco para que o pedido fosse realizado), vira o cartaz para a banda, e ela toca o que o fã pediu. Um dos momentos mais fofos, porém, acontece em “Waitin’ on a Sunny Day”, canção do álbum “The Rising”, de 2002, e talvez seu último grande hit single planetário (e nem foi tãooo sucesso assim, mas boa parte das pessoas conhece e canta com ele) – e olha que dos sete álbuns que Bruce lançou neste século, seis foram número 1 na Billboard. Bem, em “Waitin’ on a Sunny Day”, o teatrinho fofo se repete em todo show, seja em São Paulo, em Trieste, em Roma, em Manchester, em Los Angeles ou… Oslo, que recebeu na quinta-feira passada a E Street Band para as tradicionais três horas de show. No momento de “Waitin’ on a Sunny Day”, Bruce puxa para o palco uma garotinha de 4 anos, que dá o “pequeno show” que você assiste abaixo (Bruce fica tão impressionado com a doçura e determinação da menina que retorna a ela depois, no segundo vídeo, para presenteá-la com sua gaita. Ela termina o vídeo mandando beijos para o Chefão). É emocionante.

Leia também:
– Bruce Springsteen ao vivo em São Paulo: Inesquecível (aqui)
– Discografia comentada: todos os discos de Bruce Springteen (aqui)

julho 5, 2016   No Comments

Sobre Bruce Springsteen e Raul Seixas

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Leia também:
– Saiba como foi o show de Bruce Springsteen em São Paulo (aqui)
– Baixe: “Sociedade Alternativa”, com Bruce Springsteen, em MP3 (aqui)

setembro 28, 2013   No Comments

Bruce Springsteen é um cara foda

 

Sábado passado, 14/07, Bruce Springsteen e sua E Street Band estavam escalados para fechar o segundo dia do festival Hard Rock Calling, que acontece no imenso Hyde Park, em Londres. O horário programado do show no site oficial do evento era de 19h às 22h15, ou seja, três horas e quinze minutos de show, tempo quase normal de uma apresentação de Bruce atualmente (embora ele tenha batido nas três horas e quarenta e oito minutos num show em Madri, semanas antes).

Porém, um fato inusitado aconteceu: Paul McCartney subiu ao palco, e Bruce Springsteen, 62 anos, mandou: “Há 50 anos espero isso acontecer”. Bruce já tinha recebido Tom Morello (Rage Against The Machine) e John Fogerty (Creedence Clearwater Revival)  no palco na mesma noite, e esse show, recheado de improvisos, se aproximava das três horas e quinze minutos estipuladas pela organização. Ninguém poderia imaginar o que iria acontecer na sequência.

Após quatro hinos de sua carreira tocados em sequencia (“Born in the U.S.A.”, “Born to Run”, “Glory Days” e “Dancing in the Dark”), Bruce recebeu Paul, e a dupla mandou “I Saw Her Standing There'” e a já tradicional cover de “Twist and Shout”, que Bruce toca há anos, mas eis que a produção decide silenciar o palco no minuto final da canção, provocando uma revolta no público e um bate-boca que se estendeu pelos dias seguintes (com até o prefeito de Londres dizendo que a produção levou a lei do silêncio muito à sério).

Bruce Springsteen não falou nada sobre o ocorrido até ontem, três dias depois, quando subiu ao palco para um show em Dublin,e trouxe uma enorme chave de força, que foi ligada, e começou o show tocando “Twist and Shout” do exato momento que cortaram o som em Londres. Ou seja: não o deixaram terminar o show em Londres? Ele terminou em Dublin, e começou outro, que ainda teve outra brincadeira com a situação londrina: policiais falsos entraram no palco na última música, “American Land”, para tentar desligar o som. Dessa vez Bruce não deixou.

Eis duas coisas que vivem fazendo falta no mundo pop: bom humor e inteligência. Bruce Springsteen tem de sobra.

 

Veja mais:
– Três horas e vinte minutos de Bruce na Itália, por Mac (aqui)
– Bruce em Dublin: uma garotinha canta “Waiting For a Sunny Day” (aqui)

julho 18, 2012   No Comments

Bruce Springsteen infiamma Trieste


Texto e fotos por Marcelo Costa

O Estádio Nereo Rocco, em Trieste, era a casa do Unione Sportiva Triestina Calcio, time que lutou muito para fazer parte da elite do futebol italiano, mas naufragou este ano caindo para a Lega Pro Seconda Divisione (quarta divisão do futebol profissional da Itália) no mesmo momento em que a direção do clube declarava falência e dissolvia o time de futebol. Uma triste história para um estádio que, no dia 11 de junho, recebeu 30 mil pessoas, não para um jogo de futebol, mas sim para um concerto de rock and roll.

Não um show qualquer. A paixão que Bruce Springsteen inspira na Itália (e também na Espanha) é algo emocionante. Não havia um quarto sequer na grande maioria dos hotéis da cidade (segundo a Secretaria de Turismo, 11 mil camas foram ocupadas) assim como os 30 mil ingressos colocados à venda estavam esgotados. Trieste era a terceira parada italiana da turnê Wrecking Ball (que havia passado por Milão e Florença), e o show era assunto em todas as regiões mais próximas – de Lombardia ao Veneto – e até em países vizinhos (consta que 3 mil pessoas vieram em excursões dos Balcãs, da Austria, do Croácia e da Eslovênia).

Marcado para às 21h, as luzes só foram se apagar (para delírio da italianada) às 21h20, quando, um a um, os quinze integrantes da E Street Band foram subindo ao palco, com a fila sendo encerrada pelo guitarrista (e ex-Sopranos) Steven Van Zandt, aplaudidíssimo. Bruce veio na sequencia, olhou para o mar de gente, e cumprimentou (em italiano e esloveno): “Grande Trieste, urla, dobrodošli”. Alguns segundos depois começava a festa com os hinos “Badlands” e “No Surrender”.

É difícil demais explicar emoção, ainda mais de tanta gente junta. O cara vai, conta “one, two”, a E Street Band entra com peso e um estádio inteiro acompanha a música com um “ôôôôô” que parece a coisa mais simples do mundo, como se todos tivessem ouvido “Badlands” por toda sua vida, e esse fosse o momento para mostrar que aprenderam direitinho o oficio. Quando Jake Clemons, sobrinho de Clarence, faz o solo do tio no sax, o estádio quase vem abaixo. É só a primeira música.

Nestas duas primeiras canções, Springsteen exercita aquilo que fará durante as próximas três horas: largos sprints de um lado para o outro no palco, que geralmente terminam nos braços do público, em alguma das três passarelas que cortam o gargarejo. O público enlouquecido recebe muito bem “We Take Care of Our Own”, primeiro single de “Wrecking Ball”, que abre um bloco de canções do novo álbum na noite – seguem-se a faixa título e a irlandesa “Death to My Hometown”.

Lançado em março, “Wrecking Ball” alcançou o número 1 nos Estados Unidos, e Bruce mostra que confia muito no novo repertório, acertadamente, porque tanto a faixa título quanto “Death to My Hometown” trazem o público fazendo coro e parecem tão inseridas no repertório do homem que soam como se fossem um clássico de algum disco do Boss nos anos 70 (mesmo tendo menos de três meses de existência).

Surge então “My City of Ruins”, do álbum “The Rising” (2001), com Bruce apresentando em italiano – “Questa è la canzone dei saluti e degli arrivederci, delle cose che ci lasciano e di quelle che restano con noi, per sempre!” (algo como “Esta é uma canção de despedida, de pessoas e coisas que partem, mas mesmo assim ficam com a gente para sempre”) – e aproveitando para apresentar o time da E Street Band e mostrar outra novidade: a tour 2012 tem… suingue.

Isso mesmo. Quem estava acostumado com a explosão de energia das turnês anteriores de Bruce Springsteen irá se surpreender como a “Wrecking Ball Tour” namora o soul e o blues, e a emocionante jam session de “My City of Ruins”, em versão arrepiante de quase 13 minutos, tem o poder de transformar um estádio com 30 mil pessoas em um pequeno boteco de beira de estrada. É tudo enorme demais, mas íntimo, um dos vários grandes momentos da noite.

“Spirit in the Night”, do álbum de estreia de Bruce, “Greetings From Asbury Park, N.J.”, de 1973, surge em um arranjo soul de fazer a alma de James Brown sorrir de orelha a orelha. Bruce se joga no palco, se arrasta e vai pra galera. No caminho, o chefão pega uma guitarra de papelão de alguém da frente do palco, brinca de tocar, e olha o pedido do fã: “Downbound Train”, do álbum “Born in the U.S.A.” (1984), vem na sequencia, trazendo o rock de volta ao Estádio Nereo Rocco.

“Jack of All Trades”, outra nova, surge em uma versão bonita, que ganha ainda mais força com o discurso de Bruce antes de começar a canção: “Na América, os tempos são muito difíceis, as pessoas perderam seus empregos, suas casas e há muito pouco trabalho. Sei que vocês também estão enfrentando problemas, e houve o terremoto. Esta é uma canção para todos aqueles que lutam”. Na sequencia, “Youngstown”, do subestimado “The Ghost of Tom Joad” (1995), prova que há muitas pérolas escondidas nos álbuns de Bruce.

“Johnny 99” é outro dos grandes momentos da turnê atual. Bruce traz o quinteto de metais para a passarela central, entre o pessoal do gargarejo, e a galera fica toda ali improvisando, com o público tocando seus pés. Outra de “Born in the U.S.A.” (“Working on the Highway”) e outra nova (“Shackled and Drawn”) mantém a audiência aquecida e cantando. Parece que todos na plateia pensam: “se Bruce, aos 60, consegue, eu também consigo”. E dá-lhe correria e “ôôôô” .

“Waitin’ on a Sunny Day”, do álbum “The Rising” (2001) e um dos maiores hits de Bruce nos últimos 15 anos, é outro momento grandioso. Bruce vai pra galera, escolhe um moleque e o puxa para o palco (assim como ele havia feito em Roma na turnê de 2010). O menino sobe sem um dos tênis (alguém passa o par perdido pra Bruce, que segura), pega o microfone e canta gaguejante a letra, convidando na sequencia: “Come on E Street Band”, e a banda obedece. Lágrimas.

“Apollo Medley” é… foda, uma declaração de amor ao soul que hipnotiza e encanta. Na poderosa “The River”, o público acompanha Bruce cantando a trajetória do rapaz que engravidou a namorada Mary e teve que se casar aos 19 anos. Parecia impossível, mas o público faz ainda mais barulho quando o piano lança as notas de “Because the Night”, parceria histórica de Bruce com Patti Smith, e o show se encaminha para o final com “The Rising”, “We Are Alive” e o hino “Thunder Road”, que sozinha valeria o preço do ingresso.

O show termina, mas ninguém sai do palco e o bis começa com “Rosalita (Come Out Tonight)”, emenda os hinos “Born in the U.S.A.” e “Born to Run”, traz ainda “Bobby Jean” e “Hungry Heart” (a mais cantada da noite) e fecha com “Seven Nights to Rock” (cover do Moon Mullican), “Dancing in the Dark” (com vários fãs dançando com integrantes da banda no palco e Bruce dançando com a mãe de uma fã) e “Tenth Avenue Freeze-Out”. Acabou. Bruce diz ‘eu te amo’ (em italiano) para a plateia, manda beijos e deixa o palco. O relógio marca 00h40. A terça-feira está apenas começando.

No dia seguinte, o jornal italiano Il Piccolo manchetava na primeira página: “Springsteen infiamma Trieste: Storico concerto senza confini, il Boss regala musica e emozioni”. Impossível discordar. Por três horas e vinte minutos (semanas depois, Bruce bateria seu recorde tocando por inimagináveis três horas e quarenta e oito minutos em Madri), Bruce Springsteen entregou ao público italiano um dos melhores shows do planeta, senão o melhor.

Musicalmente impecável, um show de Bruce Springsteen não é bom apenas porque é longo (inclusive, há muita banda por ai que não deveria tocar mais que uma hora – para o nosso bem), mas sim porque Bruce faz valer cada segundo, cada gota de suor que derrama no palco, e não parou no tempo: boa parte do set list é de canções novas, músicas recentes que o público transforma em novos hinos numa relação apaixonada rara na música pop: Bruce é amado por seu público, e o ama na mesma intensidade. Vale a pena assistir essa história de amor ao vivo.

Leia também:
– Três horas de Bruce Springsteen em Roma (aqui)
– As diferenças de “Because The Night” (aqui)
– Histórias de Bruce Springsteen no SXSW (aqui)
– Fé em Bruce Springsteen (aqui)
– Bruce em Madri, o show mais longo, por Rodrigo James (aqui)

julho 2, 2012   No Comments

Três horas de Bruce Springsteen em Roma

Bruce Springsteen em Roma

Ok, ok, melhor falar a verdade: não foram três horas exatas de show, e sim duas horas e cincoenta e nove minutos. Mas foram 179 minutos ininterruptos de apresentação sem saída para o bis. Bruce ficou no palco o tempo inteiro correndo de lá pra cá enquando a sua E Street Band descia o sarrafo com músicas de altíssima qualidade. Nem parece que ele está para fazer 60 anos…

Os portões do Stadio Olimpico foram abertos às 16hs e uma multidão já esperava debaixo do forte sol buscando um lugar pertinho do palco. Os 42 mil ingressos colocados à venda já estavam esgotados, e cambistas faturavam em cima daqueles que deixaram para a última hora. Dezenas de barraquinhas de camisetas mostravam que o lugar já era dominio de Bruce, mesmo com o Mundial de Natação acontecendo ao lado do estádio.

Por causa do Mundial de Natação, inclusive, a produção avisou por email um mês antes que o show atrasaria meia hora, inicio previsto para às 22h30. Bruce entrou às 22h27, e em poucos segundos já havia conquistado o público com os primeiros acordes de “Badlands”. A audiência deu um show à parte estendendo-se ainda para “Out In The Street”, com seu coro do refrão sendo cantado desde os primeiros segundos.

Bruce ao violão canta “Working on a Dream”

A épica e nova “Outlaw Pete” trouxe belas imagens no telão enorme. Seguiram-se “No Surrender”, “She’s The One”, uma versão fofa de “Working On A Dream” (com estrelas brilhando no telão), “Seeds” (com dezenas de imagens da E Street Band) e uma estupenda versão de “Johnny 99” seguida de “Atlantic City”, as duas do álbum “Nebraska”. O primeiro bloco foi fechado por “Raise Your Hand”, que fez a cama para um dos grandes momentos do show.

É o seguinte: se você quer muito, mas muito mesmo que Bruce toque a sua música preferida, ajuda e muito escrever o nome dela em um cartaz, chegar cedo, e passar o pedido para o chefão no meio do show. Ele pega vários pedidos, lê, mostra para a banda, e se for aprovado, coloca na frente do pedestal e manda brasa. Acontece sempre no meio do show, mas no fim ele sempre escolhe mais um ou dois cartazes, dependendo do humor.

Nesta noite, a festa começou com “Hungry Heart”, em versão de chorar (até uma menininha de uns cinco anos participou do coro quando Bruce desceu até a galera). “Eu casei na semana passada e estou pegando fogo”, dizia outro cartaz com a deixa para Bruce tocar “I’m on Fire”. Vieram ainda “escolhidas pelo público” outras duas surpresas: “Pink Cadillac” e “Surprise, Surprise”.

Pelo telão comandando 50 mil pessoas

A terceira parte do show começou com “Prove It All Night”, seguiu-se com uma versão linda de “Waiting On A Sunny Day” (que contou com a participação de um garotinho retirado da platéia que cantou o refrão no maior embromation – hehe), “The Promised Land”, “American Skin (41 Shots)”, “Lonesome Day”, “The Rising” e… “Born To Run”, com todo o estádio aceso e gritando a letra da canção. Momento para não esquecer.

Ao final do número, Bruce agradeceu a todos, a E Street Band começou a deixar o palco, mas o chefão pegou o violão e mandou uma bonita  versão de “My City Of Ruins”, que serviu a perfeição como introdução de “Thunder Road”, clássico maior (assista a um trechinho aqui). O “bis” ainda teve “You Can’t Sit Down” e “American Land” (com a mãe do compositor, Adele Zirilli, nascida no sul da Itália, subindo ao palco para abraçar o filho).

Acabou? Não. Bruce pegou mais um cartaz da galera e mandou “Bobby Jean”. Uma companheira do disco “Born In The USA” veio em seguida, o megahit “Dancing In The Dark”, com Bruce puxando uma garota da platéia para dançar com ele. Finito. Ou quase. Estatelado no centro do palco, e ensopado de suor e água, o chefão mandou: “Não dá mais, Roma”, mas a galera insistiu, e ele fechou a noite com uma cover de “Twist and Shout” (com citação de “La Bamba”).

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A impressão final é de uma noite perfeita. Bruce fez valer a grana que todo mundo pagou com suor, entrega e uma apresentação majestosa, dessas que mesmo os italianos que já estão acostumados a ver Bruce todos os anos (o desfile de camisetas de turnê é impressionante) saem surpresos e felizes. O jornal gratuito do Metro italiano cravava na manhã desta segunda-feira: “The Boss conquista Roma”. Impossível discordar, impossível.

Fotos da viagem:
http://www.flickr.com/photos/maccosta/
http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/

julho 20, 2009   No Comments