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Dylan com café, dia 76: World Tours

O mundo das biografias não autorizadas populares é, na maioria dos casos, um ambiente de extrema pilantragem e canalhice em que um determinado autor reúne algumas entrevistas “bombásticas” de dois tipos de pessoas: gente que no máximo cruzou a mesma rua que o biografado, quando muito, e familiares e amigos que entram nessa pelo dinheiro, afinal, se o biografado é rico e famoso, qual o problema de se ganhar alguns trocados nas costas dele, não é mesmo.

Este “Bob Dylan – World Tours 1966/1974” (2005) também é pilantragem, mas é diferente das outras porque parece feito de coração. É sério. O diretor Joel Gilbert se vangloria de ter a melhor banda cover de Bob Dylan do mundo, a Highway 61 Revisited, e centrou o foco de seu documentário no fotógrafo Barry Feinstein, que acompanhou Dylan em seu início de carreira e em suas duas maiores turnês mundiais, além de ser responsável por fotos clássicas tais como todas deste post além das capas dos álbuns “Freewheelin” (1962), “The Times They Are A Changin‘” (1963) e “No Direction Home”, trilha sonora do documentário de Martin Scorsese.

Como já comentando por aqui, a famosa turnê de Bob Dylan em 1966 (que culminou no grito de “Judas” vindo da plateia durante um show em Manchester, na Inglaterra, flagrado no álbum “The Bootleg Series – Volume 4: Live 1966 The Royal Albert Hall Concert”, lançado em 1998) o trazia pela primeira vez alternando um set acústico, para deleite dos antigos fãs, com um barulhento set elétrico (acompanhado pela futura The Band), uma heresia que deixava algumas pessoas tão transtornadas que princípios de confusão sempre aconteciam nessa parte da apresentação. A turnê terminou abruptamente após um acidente de moto de Dylan, e, traumatizado, ele aproveitou para tirar 8 anos de férias das turnês, só retornando em 1974.

Buscando mapear esse período, “Bob Dylan – World Tours 1966/1974” traz entrevistas com o cineasta D. A. Pennebaker (diretor do obrigatório “Don’t Look Back”, documentário oficial da turnê de 1966), do jornalista Al Aronowitz (que apresentou Dylan aos Beatles), e de A. J. Weberman, o cara que remexia o lixo de Dylan nos anos 70, foi processado pelo músico, e está criando um dicionário para se entender Bob Dylan. No fim das contas, vale pelas excelentes fotos de Barry Feinstein, pela cara-de-pau de Joel Gilbert e por trechos impagáveis, como a reconstituição do (suposto) acidente de moto que afastou Dylan das turnês e da mídia em 1966.

Especial Bob Dylan com Café

agosto 16, 2018   No Comments

Dylan com café, 72: Scrapbook 56/66

Bob Dylan com café, dia 72: Na esteira do lançamento do essencial documentário “No Direction Home” (2005), de Martin Scorsese, e de sua trilha sonora caprichada (“The Bootleg Series 7”), surgiu como complemento oficial este livro, “The Bob Dylan Scrapbook: 1956-1966” (2005), escrito por Robert Santelli, então diretor da Experience Music Project de Seattle (hoje Museum of Pop Culture) e curador da exposição Bob Dylan’s American Journey. Como observa a crítica do jornal londrino Independent na época do lançamento do livro, “o texto do especialista em Dylan não oferece nenhuma nova percepção surpreendente, mas isso não importa porque o ponto aqui é mostrar como o talento e a carreira de Dylan se desenvolveram”.

Para acompanhar esse desenvolvimento, o leitor tem a mão dezenas de xerox de documentos, letras escritas a mão pelo homem e reproduções de itens interessantes do período além de um CD com 45 minutos de áudio divididos em 14 faixas, 10 delas de falas extraídas do filme de Scorsese e outras quatro entrevistas de Dylan colhidas de rádios entre 1961 e 1966. Um texto do New York Times rememora: “Em 4 de novembro de 1961, após trabalhar em clubes do Greenwich Village, Bob Dylan fez sua estreia em Nova York no Carnegie Chapter Hall. Dos 225 lugares, 55 estavam ocupados. Menos de dois anos depois, ele era a estrela reinante do movimento das canções de protesto. Mais dois anos, e uma geração discutia se era certo que ele fosse elétrico – não que ele prestasse atenção”.

Este “The Bob Dylan Scrapbook: 1956-1966” traz a reprodução do folheto que apresentava este primeiro show de Dylan, além de cópias das letras manuscritas de “Talkin’ New York”, “Blowin’ In The Wind”, “Gates of Eden”, “It Ain’t me Babe” (escrita num papel do May Fair Hotel, em Londres) e “Chimes of Freedom” (escrita num papel do The Waldorf Astoria, em Toronto), entre outras, e reproduções dos cartazes (Folk City, “Don’t Look Back”, Newport Folk Festival), do convite de Dylan para a Marcha de Washington (quando Martin Luther King fez o discurso “I have a dream”), de releases (“Rebel with a cause”, dizia um texto da Columbia Records) e diversas outras curiosidades imperdíveis para fãs do homem.


Especial Bob Dylan com Café

julho 24, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 69: Bangladesh

Bob Dylan com café, dia 69: No dia 01 de agosto de 1971, Bob subia em um palco pela terceira vez em cinco anos, mais precisamente desde o acidente de julho de 1966, para um concerto beneficente organizado por George Harrison no Madison Square Garden, em Nova York. Antes disso, Dylan tinha se apresentado apenas junto com a The Band no Carnegie Hall num tributo em homenagem a Woody Guthrie em janeiro de 68, e no Festival da Ilha de Wight em agosto de 69, por uma quantia enorme de dinheiro (50 mil dólares) conseguida por seu então empresário, Albert Grossman (este show está presente no volume 10 das Bootleg Series). “Depois de uma série de desastres naturais e uma sangrenta guerra civil, o recém-criado estado de Bangladesh estava enfrentando um desastre humanitário em 1971”, conta Howard Sounes em “Dylan, a Biografia”, lançada em 2002 no Brasil. “O músico Ravi Shankar levou a situação do povo de Bangladesh à atenção de George Harrison na esperança de que ele pudesse fazer alguma coisa para ajudar. Depois do sucesso de um disco (“All Things Must Pass”) e de um single no primeiro lugar das paradas, o ex-beatle organizou dois shows beneficentes monumentais no Madison Square Garden, um de tarde, outra na noite de 01 de agosto de 1971 (com cerca de 20 mil pessoas em cada sessão). Os shows seriam gravados para um álbum ao vivo e um filme, e os lucros iriam para a UNICEF”, explica Sounes.

Após uma primeira parte da apresentação (com participação de Eric Clapton, Ravi Shankar e Billy Preston), assim que terminou de tocar sua “Here Comes The Sun”, George olhou para o set list preso no corpo de sua guitarra e o próximo número trazia apenas a palavra “Bob” seguida de uma interrogação: “Eu olhei ao redor e Bob parecia tão nervoso, mas ele veio”. E então Harrison anunciou seu convidado especial: “‘Gostaria de chamar um amigo de todos nós, o senhor Bob Dylan’. Bob entrou em cena usando brim, com um violão Martin pendurado no ombro e uma armação de gaita em torno do pescoço. Ele estava muito parecido com o cantor folk dos velhos tempos, e foi recebido com entusiasmo, acompanhado na guitarra por Harrison, no baixo por Leon Russel e no pandeiro por Ringo Starr”, completa o biógrafo. Neste dia, Bob tocou “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, “It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry”, e poderosas versões de “Blowin’ in the Wind” e “Just Like a Woman” além de “Mr. Tambourine Man”, todas lançadas no lado cinco do vinil triplo que se seguiu (a versão em CD trouxe de brinde ainda “Love Minus Zero/No Limit”, com intro de “If Not For You” – que chegou a ser testada na passagem de som), e que fez um imenso sucesso, conquistando ainda um Grammy de Melhor Álbum do Ano em 1973. “Bob adorou a emoção de se apresentar após um longo período de inatividade”, pontua Howard Sounes, mas demoraria ainda mais três anos para que ele voltasse às turnês. Curiosidade: uma das fotos do show, de Bob conversando com George, foi usada em uma coletânea de Dylan lançada no mesmo ano (cortando Harrison da foto).

Especial Bob Dylan com Café

julho 9, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 68: George Harrison

Bob Dylan com café, dia 68: No dia 01 de maio de 1970, Bob Dylan entrava no estúdio B da Columbia Records, em Nova York, para dar início ao processo de gravação de um novo disco, “New Morning”, que seria lançado em outubro do mesmo ano. Naquele dia, porém, Bob tinha um acompanhante especial no estúdio: George Harrison. “Let It Be”, o disco derradeiro dos Beatles, seria lançado uma semana depois, no dia 08 de maio, mas George – tanto quanto Paul e John – já estava dedicado a carreira solo, preparando o vindouro disco triplo “All Things Must Pass”, que sairia em novembro de 70. Bob e George estavam em pleno processo de pesquisa e construção de novos discos (George entraria no estúdio Abbey Road no dia 26 de maio para começar a gravar), mas o encontro de 01 de maio visava uma primeira grande aproximação, que aumentaria em “The Concert For Bangladesh” (1971, vídeo abaixo) e se concretizaria nos anos 80, com o Traveling Wilburys.

Em três horários de gravação (14h30 às 17h30; 18h30 às 21h30 e 22h30 às 01h30 do dia seguinte) somando 12 horas de estúdio, a dupla – escudada por Charlie Daniels (baixo) e Russ Kunkel (bateria) com Bob Johnston no teclado em três faixas – registrou 26 músicas em 37 execuções, com foco no trabalho em faixas como “Sign on the Window” e “If Not for You”, ambas com cinco takes, e “Time Passes Slowly”, tocada quatro vezes. A grande maioria do set, porém foi de relaxamento com Dylan na guitarra, piano e voz e George Harrison na guitarra e backing tocando canções de Carl Perkins (“Matchbox” e “Your True Love”), Everly Brothers (“All I Have to Do Is Dream”), Sam Cooke (“Cupid”) e Phil Spector (“Da Doo Ron Ron”) além de canções de Dylan (“Just Like Tom Thumb’s Blues”, “Gates of Eden”, “Rainy Day Women#12 & 35” e “One Too Many Mornings”, entre outras) e até “Yesterday”, de Lennon & McCartney, cantada por Bob. Era para ser uma sessão secreta, mas eis que a revista Rolling Stone que chegou às bancas no dia 28 de maio entregava o encontro dizendo que “Dylan e Harrison se deram bem, e passaram a maior parte do tempo com Dylan cantando canções dos Beatles e George cantando canções de Dylan”.

A reportagem ainda avisava que o destino do material era desconhecido, e pouco dessas sessões apareceram oficialmente nos últimos 50 anos: um dos takes de “If Not for You” marcou presença no primeiro volume (triplo) das Bootleg Series, do começo dos anos 90. Outros dois números, “Working on a Guru” e “Time Passes Slowly”, apareceram em “The Bootleg Series Vol. 10 – Another Self Portrait” (2010). E só (ainda que alguns acreditem que a versão de “Sign on the Window” usada em “New Morning” seja dessa sessão com George não creditado). Dylan continuaria trabalhando no material antes mesmo do polêmico “Self Portrait” chegar às lojas em junho enquanto George iria levar “If Not for You” e uma parceria com Dylan, “I’d Have You Anytime”, para o álbum “All Things Must Pass“. Se nunca circulou oficialmente, o conteúdo das sessões ganhou dezenas de versões em bootlegs (ainda que 14 das 37 gravações tenham sido liberadas) e é facilmente encontrável na web transformando-se num item bastante interessante para fãs (de Dylan e dos Beatles).

Especial Bob Dylan com Café

julho 1, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 67: Woodstock 94

Bob Dylan com café, dia 67: Não é segredo que os produtores do primeiro Woodstock, em 1969, desejavam ardentemente a participação de Bob Dylan no festival. Porém, Dylan vivia uma fase tranquila e familiar na época (representada pelo álbum “New Morning”) e, desde o acidente de moto de 1966 (e o final antecipado e turbulento daquela turnê), evitava grandes audiências. Já em 1994, o cenário era outro. Visando festejar 25 anos do primeiro Woodstock, os organizadores foram atrás de Bob, que havia recuperado o olhar carinhoso da crítica com o excelente “Oh Mercy” (1989), mas sentia suas novas canções próprias tão frágeis que decidiu embarcar em uma série de discos de covers de countrys rurais (“Good as I Been to You”, de 1992, e “World Gone Wrong”, de 1993), ainda que o establisment pop começasse uma série de homenagens (as “The Bootleg Series” se iniciam em 1991 e o grande show “The 30th Anniversary Concert Celebration” é de 1993). Porém, feliz surpresa, Bob aceitou o convite da produção do Woodstock 1994, deu uma pausa na Never Ending Tour e preparou um show especial, que, das 12 canções, traz apenas duas músicas “recentes”: a abertura com “Jokerman” (do álbum “Infidels”, de 1983) e “God Knows” (de “Under the Red Sky”, de 1990).

Entre as outras 10 faixas, apenas clássicos sessentistas do quilate de “Just Like a Woman”, “Masters of War”, (uma versão lenta de) “It’s All Over Now (Baby Blue)”, “Rainy Day Women” e “Don’t Think Twice”, entre outras. A execução é boa, ainda que Bob, como de praxe, não exiba tanta paixão na execução. Aliás, nas três primeiras faixas, ele canta apressado, como se tivesse prestes a perder o último trem para o paraíso, mas depois e o show flui bem e agradavelmente. Registrada em diversos álbuns ao vivo de Dylan (de “Before The Flood” a “Live at Budokan”, de “Real Live” a “MTV Unplugged”), “All Along the Watchtower” surge novamente hendrixiana (Bob sempre disse que a versão de Jimi Hendrix, lançada seis meses após sua gravação original, era sua predileta e desde então toca a música no arranjo do guitarrista) num bom DVD que faz uma ponte interessante entre os demais registros ao vivo de Dylan, e que, devido ao sucesso da apresentação, abriu as portas para o “Unplugged MTV” em 1995. O homem (que nunca foi embora) estava de volta.

Especial Bob Dylan com Café

junho 27, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 60: Complete

Bob Dylan com café, dia 60: Três meses após “Bootleg Series 10 – Another Self Portrait” chegar às lojas, a Columbia despejava um presente de natal a primeira vista imperdível para fãs do homem nas lojas: lançado em novembro de 2013, “The Complete Album Collection Vol. 1” juntava num mesmo box os 41 discos oficiais de Dylan (juntando estúdio e ao vivo e ignorando as Bootleg Series, que devem compor o “Vol. 2” dessa coleção) em 45 CDs (ou seja, quatro deles duplos) trazendo como item raro extra a compilação dupla “Side Tracks”, com 30 canções jogadas aqui e ali na carreira de Bob, e aqui enfim reunidas. Tentador, né, principalmente para fãs mais recentes, mas para o fã de primeira hora de Dylan, “The Complete Album Collection Vol. 1” não trazia absolutamente nada de inédito.

Ok, grande parte do material (15 discos) foi remasterizado pela primeira vez especialmente para esse box (alguns fãs antigos criticaram a remasterização – já em 2010, o box “The Original Mono Recordings” compilava os oito primeiros discos de Dylan em versão mono, o que muita gente julga a versão ideal para se ouvi-los), e até Bob cedeu ao (antes vetado) relançamento do terrível “Dylan”, de 1973, para dar um ar de completude a caixa, que replica o formato bacana dos vinis (ponto positivo), mas junta todos os encartes em um longo livreto de difícil manuseio (ponto negativo) acrescidos de uma introdução inédita de Bill Flanagan e um novo comentário de cada álbum escrito por Clinton Heylin (bacana). No caso da pegadinha “Side Tracks” (que foi lançada a parte do box em vinil triplo), das 30 canções, 22 (entre raridades e singles) saíram em “Biograph” (das 21 raridades daquele box, só ficou de fora “It’s All Over Now, Baby Blue”, na versão ao vivo em Manchester, presente no Bootleg Series 6), 4 em “Bob Dylan’s Greatest Hits Vol. II” (coletânea dupla em vinil de 1971 que trazia singles como “You Ain’t Goin’ Nowhere” e um quarto lado apenas de canções inéditas) e três eram números “mais recentes” como “Series of Dreams” (sobra de “Oh Mercy” presente nas “Bootleg Series 1 & 3”), “Dignity” (outra sobra batida de “Oh Mercy”) e “Things Have Changed”, da trilha sonora do filme “Garotos Incríveis” (2000).

Rara mesmo apenas “George Jackson”, b-side de um single de 1971 nunca presente em lugar nenhum – o A side permaneceu esquecido em sua versão big band, e além dele outras 10 faixas foram deixadas no limbo (entre elas, “Shelter from the Storm” na versão da trilha de “Jerry Maguire”, e os b-sides “Spanish is the Loving Tongue”, “Let It Be Me”, “Trouble in Mind” e “Rita May”, entre outros). Ou seja, “The (In)Complete Album Collection Vol. 1” é perfeita pra quem nunca se aprofundou em Dylan (se é seu caso, mergulhe sorrido), mas fãs já conheciam tudo que estava aqui (além das coisas que ficaram de fora). Que venha o Volume 2.

Especial Bob Dylan com Café

maio 28, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 59: Another Selfie

Dylan com café, dia 59: Quando todos os fãs de Dylan imaginavam que 2013 passaria batido sem nenhum lançamento, a Columbia Records surpreendeu a todos com duas belíssimas novidades. A primeira delas foi o 10º volume das Bootleg Series que trazia como nome “Another Self Portrait (1969–1971)” e cobria o período de gestação dos dois discos lançados em 1970: o odiado “Self Portrait” (junho) e o familiar “New Morning” (outubro) somando duas demos de “Nashville Skyline” (1969). Você se lembra, certo? “Self Portrait” foi o disco (terrível) em que Dylan rompeu com seu público, após o (disfarce do) acidente de moto em julho de 1966, que interrompeu sua turnê mundial (ele só voltaria a fazer uma grande turnê em 1974), o afastou dos estúdios (1968 não viu nenhum disco de Dylan), mas não da Big Pink, a casa que a The Band alugou para morar e ensaiar enquanto Dylan se recuperava (e que irá gerar as “Basement Tapes“.

Nesse processo todo de desconstrução, “Self Portrait” é tido como o pior álbum da carreira de Dylan (“Dylan”, de 1973, é uma sacanagem da gravadora e não deve ser levado à sério) e ficou tão famoso quanto a abertura da resenha de Greil Marcus na Rolling Stone em 1970: “Que merda é essa?”. Mais de 40 anos depois, Dylan e Greil Marcus estão de volta (o jornalista assina o texto – desta vez comportado – do livreto) em versões cruas e emocionais, demos interessantes que valorizam “Self Portrait” (ainda que não o salve do purgatório) ao mesmo em tempo em que colocam certa nuvem nublada sobre o clima solar de “New Morning”. Despidas dos arranjos exagerados da época, “All the Tired Horses”, “Little Sadie”, “Wigwam”, “Days of 49” e “In Search of Little Sadie” soam adoráveis. Já “It’s Not For You” perde o apelo pop e ganha em drama numa versão piano e violino. A versão “Time Passes Slowly #1” soa mais “New Morning” do que a versão que foi para o álbum (há ainda uma terceira, daquelas de boteco fechando as 5 da manhã).

Entre as 35 canções da edição dupla, diversas faixas inéditas na voz de Dylan, como a pungente versão de “Pretty Saro”, a dramática “Spanish Is the Loving Tongue” e as rancheiras “Thirsty Boots” e “Tattle O’Day”, coisas finas que, do jeito cru em que se encontram, se conectam com a dobradinha de álbuns de covers caipiras que Dylan gravou nos anos 90, “Good As I Been To You” e “World Gone Wrong“. Além dessa versão dupla saiu uma outra com dois discos bônus trazendo, de extras, o dispensável “Self Portrait” original remasterizado em um disco e o famoso show de Dylan com a The Band no Festival da Ilha de Wight, em 1969, no outro, formando um pacote que ilumina de maneira encantadora um período escuro da carreira de Dylan, que ressurge aqui muito mais interessante.

Especial Bob Dylan com Café

maio 26, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 55: Witmark

Bob Dylan com café, dia 55: Lançado em outubro de 2010, “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964” havia sido antecipado como tema na edição deluxe do álbum “Together Through Life”, de abril de 2009, que trazia uma longa entrevista com Roy Silver, primeiro manager de Dylan (ainda que ele o defina como um picareta enquanto Silver, por sua vez, diga que “Bob era fácil de manipular, porque não dava a mínima e só queria fazer música”), descartada do filme “No Direction Home”. Foi Roy Silver que levou Dylan para a agência M. Witmark & Sons, fundada por imigrantes prussianos em 1885 em Nova York, “oito anos depois de Thomas Edison ter patenteado o fonógrafo, mas vários anos antes que alguém achasse que você poderia fazer negócios com discos”, observa Colin Escott no livreto educativo que acompanha o lançamento. “Em outubro de 1927, Jack e Harry Warner perceberam que suas novas imagens faladas criariam uma demanda insaciável por música, e era melhor possuí-la do que licenciá-la. Harry Warner fez uma oferta para comprar a Witmark & Sons e o negócio foi fechado em janeiro de 1929. Naquele verão, os Warner compraram mais sete editoras para formar uma holding própria”, conta Escott.

No livreto, Colin explica que a publicação de música é o grande segredo da indústria da música: “É onde está o dinheiro”. Ele divide a maneira de arrecadar dinheiro com música (na época) em quatro ramos: “fólios, direitos de composição, direitos de execução e sincronização (filmes)”. Fólios é a publicação em revistas e livros de partituras, que só tinham grande alcance se a canção fosse sucesso, o que também afeta os próximos itens. Já sincronização, apesar de ser um grande negócio, era muito mais raro na época (hoje é apontada por muitos como o futuro da indústria). Sobrava então os direitos de composição e execução, e o negócio era o seguinte: um manager (como Roy Silver) fazia a ponte com uma editora, que oferecia as canções de determinado artista para que o maior número de artistas o gravassem. A taxa nos anos 60 era de US$ 0,02 centavos por música (permaneceu assim até 1977, hoje é de cerca de US$ 0,09 centavos), o que quer dizer que se a canção alcançasse a marca de 1 milhão de cópias vendidas, lucraria US$ 20 mil em royalties mecânicos, geralmente divididos em 50/50 entre o compositor e a editora musical. Ficou fácil de entender o negócio, certo? Dai você pega Bob, que havia lançado um álbum de estreia em 1962 que havia vendido menos de 5 mil cópias. Uma das saídas do empresário Albert Grossman foi oferecê-lo a editoras, já que tanto ele quanto a Columbia Records acreditavam nas canções do jovem rapaz, e Dylan então assinou com a Witmark & Sons: “Ouvi ‘Blowin’ in the Wind’ e disse: ‘Ok, é isso. Quero você. Vou te dar um adiantamento de mil dólares”, relembra Artie Mogull, antes de saber que Dylan havia assinado com a Leeds Music um pouco antes. “Então dei a ele mais mil dólares para ver se conseguia sair do outro contrato. E, acredite ou não, o cara da Leeds Music aceitou. Era julho de 1962, seis meses depois que a Decca Records, na Inglaterra, fez um teste com Beatles e Brian Poole, e decidiu que Poole era a melhor aposta”.

Entre fevereiro de 1962 (quando Dylan fez a primeira sessão com oito canções para a Leeds Music) e junho de 1964, Bob fez 11 sessões mostrando de maneira crua canções como “Blowin’ in the Wind”, “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, “Masters of War”, “Don’t Think Twice, It’s All Right”, “The Times They Are a-Changin'” e “Mr. Tambourine Man”, todas presentes entre as 47 faixas oferecidas por Dylan a outros artistas (15 delas até então inéditas) e resgatadas em “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964”. Segundo o All Music, “em essência, essas demos são o som de Dylan se tornando Bob Dylan, e é uma evolução fascinante”. Já Rob Sheffield, da Rolling Stone, explica que não importa o quão você tenha decorado as versões definitivas oficiais, essas “demos trazem surpresas, como ‘Boots of Spanish Leather’, em que Dylan nunca soou tão derrotado quanto aqui ao perceber que lutou para convencer aquela garota a ficar, e agora gostaria de deixa-la partir para Barcelona”. Pitchfork (“Um resumo perfeito de como este conjunto revela a profundidade histórica da educação musical de Dylan”) e BBC (“Qualquer ouvinte ficará impressionado”) também caíram de quatro diante deste relançamento, que mostra a evolução de Dylan nos primeiros anos. Sean Egan, da BBC, resume: “São canções com pouco polimento de produção e compromisso emocional zero. Dylan tosse regularmente. Numa faixa, é possível ouvir uma porta fechando. Em outra, ele encerra a canção abruptamente porque, explica ao engenheiro de gravação, está entediado com a música”. E, ainda assim, muitas dessas canções se tornaram clássicos do cancioneiro mundial. A primeira tiragem de “The Bootleg Series Vol. 9: The Witmark Demos: 1962–1964” ainda trouxe, de bônus, “In Concert – Brandeis University 1963”, sete canções de dois sets de Dylan ao vivo em um festival folk numa universidade do Massachusetts. Relíquias.

Especial Bob Dylan com Café

maio 15, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 53: Together

Bob Dylan com café, dia 53: o 33ºálbum de estúdio de Bob nasceu de um acaso. O diretor francês Olivier Dahan pediu a Dylan uma música para seu novo filme, “A Minha Canção de Amor” (com Renée Zellweger e Forest Whitaker e que sairia só em 2010), e Bob decidiu trabalhar com Robert Hunter, letrista do Grateful Dead, com quem tinha composto duas canções em 1988 para o disco “Down In The Groove”. O resultado foi a canção “Life is Hard” (que Renée canta no filme – assista no final do post), mas a dupla se empolgou tanto que compôs mais um punhado de canções, permitindo a Bob pensar neste material como base de um vindouro novo disco. Nascia “Together Through Life”, o primeiro álbum de inéditas de Dylan desde “Desire” (1976) em que ele dividia a autoria da grande maioria das composições com um letrista convidado. Assumindo novamente a produção (com o codinome Jack Frost), Bob utilizou a banda que o acompanhava na Never Ending Tour acrescentando ainda o guitarrista Mike Campbell, dos Heartbreakers de Tom Petty, e David Hidalgo, líder da grande banda californiana Los Lobos, que fez em “Together Through Life” algo semelhante a que Scarlet Rivera havia feito em “Desire”: se lá ela havia conduzido as canções com seu violino, aqui Hidalgo tangencia os arranjos com seu acordeom dando ao álbum uma sonoridade de “blues do Sul dos Estados Unidos com tempero mexicano”, como descreveu David Fricke na Rolling Stone.

Lançado em abril de 2009, “Together Through Life” teve como primeiro single (com direito a clipe além de embalar trailer e um episódio da série “True Blood”), “Beyond Here Lies Nothin’”, que novamente surge inspirada em Ovídio transportando o poeta grego para um bar de beira de estrada tex mex. A busca desencontrada pelo amor é o tema que move as 10 canções, oito delas assinadas por Dylan/Hunter, uma acrescentando Willie Dixon à dupla (Bob sempre foi de não creditar suas “inspirações” de amor e roubo, mas com a família de Dixon é bom não brincar – Led Zeppelin que o diga) devido ao uso de “I Just Want to Make Love To You” no blues “My Wife’s Home Town”. Há bons momentos como “Forgetful Heart”, com banjo e acordeom e uma guitarra distorcida, mas o que dá o tom do disco são bons rocks ora acelerados (como a sarcástica “It’s All Good”), ora mais cadenciados (“Jolene”), ora mais bluesy (“Shake Shake Mama”), que se não alcançam o brilho dos três discos anteriores, também não comprometem. “Together Through Life” repetiu o feito de “Modern Times” (2005) e bateu no topo do ranking da Billboard. Mais: alcançou o número 1 também na Inglaterra, feito que Bob não tinha conseguido desde “New Morning”, de 1970. A edição deluxe do álbum trazia duas curiosidades deliciosas: um CD de um hora com o episódio “Friends & Neighbors” do programa de rádio Theme Time Radio Hor apresentado por Dylan (que seleciona canções de Howlin’ Wolf, Little Walter, Carole King e Rolling Stones, entre outros) mais um DVD com cerca de 15 minutos de um outtake do documentário “No Direction Home”, em que Dylan introduz Roy Silver, primeiro empresário do cantor (ainda que ele o defina como um picareta), que o levou para a agência Witmark, que será tema do próximo Bootleg Series, mas isso é assunto pra outro café.

Especial Bob Dylan com Café

maio 5, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 52: Tell Tale Signs

Bob Dylan com café, dia 52: Indo de vento em popa, as imperdíveis “Bootleg Series” de Bob chegaram ao seu 8º volume em outubro de 2008, quando a Columbia despejou nas lojas duas versões: um volume duplo, tradicional (com 27 faixas), e uma versão tripla com direito a CD extra (totalizando 39 canções) e um livreto lindo com as capas de todos os singles de Dylan lançados pelos quatro cantos do mundo. Desta vez, a série cobria o espaço do renascimento de Dylan no final dos anos 80 (com “Oh Mercy”, de 1989) estendendo-se até “Modern Times”, em 2006. Se a grande maioria do público, principalmente aqueles do esquecimento cultural a qual Bob relatava no livro “Crônicas”, ainda tinha Bob como um trovador folk da primeira metade dos anos 60, essa maravilhosa seleção de sobras luxuosas que levou o nome de “Tell Tale Signs – Rare and Unreleased – 1989/2006” coloca todos os pingos nos is cobrindo uma fase de 17 anos em que Dylan lançou dois discos de covers rurais e cinco discos de inéditas – ao menos três deles entre os melhores discos de toda a sua carreira: “Oh Mercy”, “Time Out of Mind” (1997) e “Modern Times” respondem pelo grosso do material (22 canções são sobras destes três discos) mostrando outras facetas de canções que acabaram nos álbuns em versões oficiais.

“Mississipi”, por exemplo, surge em três versões diferentes das sessões de Bob com Daniel Lanois para o álbum “Time Out of Mind”. Bob não ficou satisfeito com nenhuma das versões, e a regravou a sua maneira no álbum “Love and Theft” (2001), mas muitos dos fãs (eu incluso) acham que a versão guia, com Bob na voz e guitarra acompanhado de Lanois também na guitarra coloca no bolso a versão de “Love and Theft” (na verdade, as três versões deixam a oficial no chinelo – compare as versões nesta playlist que fiz no Spotify incluindo a de Sheryl Crow, que a gravou antes mesmo de Bob). O mesmo acontece com “Born in Time”, numa versão linda, que faz a oficial do álbum “Under The Red Sky” (1990) soar menor. Há versões alternativas elegantes de canções que Bob fez para trilhas de filmes no período (“Tell Ol’ Bill” para “Terra Fria”, 2005; “Huck’s Tune” para “Bem-vindo ao Jogo”, 2006; e “Cross the Green Mountain” – em versão longa – para “Deuses e Generais”, 2003), números ao vivo (“Tryin’ To Get To Heaven” no Wembley Arena, 2000; uma sensacional “High Water (For Charley Patton)” no Canadá, 2003; “Cocaine Blues” em Viena, 2003; “The Girl on the Greenbriar Shore” voz e violão em Dunkirk, 1992; e “Cold Irons Bound” no Festival Bonaroo 2004, entre outras) além de canções completamente inéditas como “Duncan And Brady”, “Red River Shore” e “Marchin’ To The City”, entre outras, que tiveram aqui enfim seu registro oficial. Saca um disco nota 10? É esse aqui (e ele é triplo!). Divirta-se.

Especial Bob Dylan com Café

maio 3, 2018   No Comments