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O conto de duas cidades (holandesas)

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Dormi na dúvida se iria para um lugar conhecido (Amsterdam) ou um desconhecido (Haia) no dia seguinte, e acordei decidido a encarar o novo. Amsterdam é uma das minhas cidades prediletas, e voltarei a ela oportunamente, com mais tempo e menos correria. Haia, por sua vez, tinha a sedução do novo e a possibilidade de reencontrar Johannes Vermeer, um dos pintores pelo qual meu apreço mais aumentou nos últimos anos. No fim do dia, um misto de decepção e euforia. Ainda assim, foi um daqueles dias pra lá de especiais.

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O dia amanheceu ensolarado, mas logo o céu ficou nublado, sem chuva, mas cinza. No trem, lendo o guia que me acompanha desde sempre (Guia Criativo Para o Viajante Independente – Europa), o pessoal destacava Delft, uma cidadezinha ao lado de Haia, que muitos chamam de mini Amsterdam por sua quantidade de canais, e tem como mérito ser a terra natal de Vermeer. Melhor: toda quinta-feira, a praça central, de característica medieval, recebe uma animada feirinha, que se estende pelas ruas paralelas. Na hora e local certos. Partiu.

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Delft é daquelas cidadezinhas pitorescas pelas quais a gente se apaixona nos primeiros passos pelas ruas de paralelepípedos. Os canais, sim, lembram Amsterdam, mas o clima de cidade do interior é o que mais encanta. A praça histórica – local de feiras e julgamentos públicos no século 13 – mantém o formato de antigamente com a igreja gótica de um lado (o poder religioso) e a prefeitura logo em frente, do outro (o poder administrativo). Entre uma e outra, dezenas de casinhas, restaurantes, cafés e tudo o mais.

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A feirinha estava fervendo quando cheguei. Barraquinhas com queijo holandês, roupas, doces, tortas, aparelhos eletrônicos, vinis e tudo mais chamavam a atenção dos transeuntes, mas quem estava fazendo o maior sucesso era o tiozinho da barraca de peixes. No modelo feirante que usa a voz pra chamar a atenção do freguês, ele limpava o Arenque (pequeno peixe gordoruso e famoso por estes lados), jogava no sal e na cebola, e quem quisesse era só pegar o bicho cru e mandar ver. Fiquei quatro horas na cidade, e a barraca sempre esteve lotada.

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No quesito vinis, encontrei uma barraca bacana. Após o dono perguntar se eu era norte-americano (pela minha camiseta da Third Man Records, Nashville, Tennessee), e eu responder que não, ele já foi me oferecendo um álbum do Johnny Cash com June Carter. Gostei. Ainda levei uma coletânea de Django Reinhardt e o terceiro grande álbum solo de Rod Stewart. Chorei um desconto e a brincadeira saiu por 13 euros. Na barraca seguinte achei o “Deja Vu”, de Crosby, Stills, Nash & Young, edição original. Saiu mais caro: 7 euros.

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E lá fui eu para um dos cafés beber uma cerveja e admirar as aquisições. Escolhi uma Vermeer Gruyt Bier (já tinha pego duas cervejas Vermeer na lojinha sobre o pintor), segunda cerveja feita com gruit (e não com lúpulo) que bebo. Para contrabalançar o malte e conservar a cerveja durante mais tempo, no desconhecimento das propriedades do lúpulo (descoberto no século 12), era usado um gruit, mistura de ervas aromáticas que funcionavam como tempero e concediam a cada cerveja um sabor particular. Gostei da Vermeer Gruyt. 

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E tô eu ali, namorando os vinis, e uma senhora holandesa da mesa ao lado começa a puxar papo. Assim que digo que sou de São Paulo, ela emenda: “As coisas estão sérias lá, hein”. O bate papo animado (vinis x CDs, Johnny Cash, espuma da cerveja) durou uma meia-hora, e ela se despediu pedindo para eu aproveitar a Holanda. “Tome cuidado quando voltar para São Paulo. Estou acompanhando pela TV”, ela disse. “É um momento muito importante para nós”, comentei. “Eu sei, é muito bom ver o povo reagindo”, ela finalizou. Segurei as lágrimas, mas elas me venceram uns três minutos depois.

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Encantado com Delft esqueci que havia um museu a ser visto na próxima cidade. Parti em direção a Den Haag (que é como os holandeses conhecem Haia) e ao museu Mauritshuis, mas como o Jonas Lopes já havia comentado em um post anterior, ele está fechado para reforma, e “emprestou” 100 obras suas para o Gemeente Museum, e para alguns outros museus ao redor do mundo. Duas horas apenas para encontra-lo, então bora atrás do Museu Municipal. Encontrei, vi toda exposição, e sai um pouco frustrado.

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Primeiro porque uma das principais obras do Mauritshuis, a Scarlett Johansson com Brinco de Pérola (hehe), não estava no Gemeente, e sim passeando pelo mundo (último paradeiro: São Francisco). Segundo porque só há dois quadros de Vermeer na mostra. “Vermeer é conhecido pelos quadros pequenos de cenas cotidianas”, explicava o texto de um deles. “Este, de sua primeira fase, é diferente”. Ou seja, além de ter apenas dois Vermeer em exposição, nenhum dos dois traz os traços clássicos pelos quais o pintor veio a ser conhecido.

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A obra de Vermeer é pequena. Consta aproximadamente 45 quadros em seu nome, e destes já tive o prazer de ver “A Leiteira”, “Mulher de Azul, Lendo uma Carta” (que esteve no MASP no começo do ano), “Mulher Tocando Guitarra”, “Senhora diante do Virginal”, “O Astrônomo” e “A Rendeira”. Estava com expectativa de ver “A Moça com Brinco de Pérola” (conhecido por estes lados como “A MonaLisa Holandesa”), mas vai ficar para uma próxima vez, afinal pretendo voltar a Delft, e estando aqui esticar para Haia – e também para Rotterdam, a fim de ver as casas cubistas de Piet Blom.

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Não que o passeio pelo Gemeente Museum tenha sido em vão. Vários Rembrandt (incluindo “Aula de Anatomia do Dr. Tulp”), alguns Francis Bacon, mais Picasso, Van Gogh, Cezanne, Kandinski e Monet credenciam o museu. Entre os meus preferidos, alguns de Peter Paul Rubens e outros de Frans van Mieris (este último lembrando cenas de Vermeer, mas com um toque de ironia que inexiste na obra do mais famoso). Na verdade, gostei mais da exposição de arte moderna do que dos clássicos. A versão 2013 de “Eva”, com cueca, seminua, gata, e segurando uma folha de maconha na mão ao invés de uma maçã, é uma baita tentação.

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O saldo final do dia foi mais uma cidade apaixonante, quatro vinis, três CDs (“On Stage”, um show do Elvis Costello de 1996; “At The Beacon Theatre 2003”, do Radiohead; “Live Germany 1985”, do R.E.M.), duas cervejas (além da Vermeer Gruyt, peguei também a Vermeer Mueselare) e algumas lágrimas. Nesta sexta-feira começa o Best Kept Secret Festival, e a programação destaca shows de Maccabees, Fuck Buttons, Surf Blood e Arctic Monkeys. Antes, porém, tenho um tour reservado na Abadia de La Trappe. O dia promete…

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Leia mais: Diário de Viagem Europa 2013 (aqui)

junho 20, 2013   1 Comment

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