Random header image... Refresh for more!

O penúltimo dia do New Orleans Jazz Fest

nola2.jpg

A primeira edição do New Orleans Jazz & Heritage Festival aconteceu em 1970, e nestes mais de 40 anos de história, o evento se fixou no calendário oficial da cidade como uma datal para comemorar a chegada da primavera. Assim como o Rock in Rio, o Jazz Fest acontece em dois fins de semana, mas a semelhança com o festival carioca de line-up óbvio para por ai, já que a escalação do Jazz Fest privilegia artistas desconhecidos das regiões da Louisiana e Mississipi (e de outros Estados em menor escala) numa escalação de mais de 60 atrações diárias sempre encabeçada por artistas de renome distribuídos por 12 palcos.

nola3.jpg

Em 2012, Beach Boys, Neil Young & Crazy Horse, Bruce Springsteen, Tom Petty & The Heartbreakers, Bon Iver, Foo Fighters, Florence e muitos outros se dividiram nos sete dias do festival. Em 2013, a escalação reunia Fleetwood Mac, Phoenix, Frank Ocean, Patti Smith, Billy Joel, Black Keys, Los Lobos, Stanley Clarke, B.B. King e muito mais numa maratona que começa todos os dias às 11 da manhã e se encerra pontualmente às 19h visando não prejudicar a centena de casas noturnas espalhadas pela cidade – e que continua a programação do festival até altas horas da madrugada, dependendo da disposição do freguês.

nola4.jpg

Desde 1972 que o Jazz Fest acontece no Fair Grounds Race Course, terceiro Jóquei Clube mais antigo da América. Os últimos dias do outono trouxeram chuvas, e a decantada reclamação de uma parte do público brasileiro sobre a lama no Lollapalooza Brasil 2013 seria motivo de chacota aqui, já que o barreiro se forma em boa parte dos palcos, assim como o cheiro de estrume de cavalo se espalha pelo ambiente competindo com os aromas deliciosos das mais de 50 barraquinhas de comida cajun e creole espalhadas pelo espaço, mas a grande maioria parece não se importar. Aqui, ao menos, os cavalos não reclamaram do cheiro dos hispsters.

nola5.jpg

É óbvio que não há como comparar uma cidade apaixonadamente musical, deliciosamente caipira, extremamente arborizada e de população que não passa dos 400 mil habitantes atualmente (embora estivesse com quase 550 mil antes do Furacão Katrina – a migração foi enorme) como New Orleans com uma megalópole de pedra como São Paulo, onde sujar os pés no barro e sentir a presença de animais (fora gatos e cachorros mais bem tratados – muitos deles vestidos – que muita criança) não faz parte da rotina diária. A questão é enfrentar as intempéries da melhor maneira possível, e receber a primavera de braços abertos. Não é agradável, mas também não é o fim do mundo (ainda mais se você está preparado).

nola6.jpg

Desta forma, os locais se armam de cadeirinhas (vendidas a 13 dólares no centro), galochas e muito bom humor e partem para o Fair Grounds Race Course logo que os portões abrem. A vizinhança recebe os visitantes de forma alegre e cordial com dezenas de casas ostentando mensagens de boas vindas. Em certo momento, um senhor abre a porta de sua casa, chega ao jardim e, diante da multidão, brinca: “Até que enfim vocês chegaram”. Os ingressos, que custavam 50 dólares por dia, estão saindo por 65 dólares na porta, mas as filas são comportadas e rápidas. A segurança olha rapidamente as bolsas e quando menos se percebe você já está dentro ao lado da Tenda Gospel.

nola7.jpg

Mahalia Jackson, criadora do festival em 1970, era uma grande cantora gospel, e a tenda recebe músicos, pastores e ministros da fé numa vibe “God is Good”. O coral gospel da Arquidiocese de New Orleans emocionou os presentes, mas quem botou pra quebrar foi o Ministro Jai Reed, com cinco backings vocals, uma voz intensa e uma performance que exibe estudos do trabalho de gente como Otis Redding e James Brown (só faltou o homem ajoelhar) arrasando em um som que pescava influências de soul, funk, jazz e blues. Na primeira fila, sentada, uma freira já senhora parecia aprovar a apresentação.

nola8.jpg

Junto a Tenda Gospel ainda há a Tenda Blues e a Tenda Jazz, as três com cerca de 1500 cadeiras mais arquibancadas e as laterais tomadas nos shows mais concorridos, como a excelente apresentação da Fleur Debris Superband e a desconstrução sonora de Terence Blanchard, que trouxe seu filho, recém-formado numa escola de canto, para um dueto emocionante. “Vou contar um segredo para vocês: essa foi a primeira vez que fizemos isso ao vivo na frente de um público”, disse depois. O repertório de apenas cinco canções em 1h15 de show trouxe muitos improvisos valorizando a qualidade impecável do quinteto. Aguarde vídeo.

nola9.jpg

De hora em hora, enquanto os shows ocorrem, paradas saem arrastando uma multidão festival adentro. Quem abriu a programação foi a Cherokee Hunters & Wild Red Flame Mardi Grass Indians seguida pela Kinkfolk Brass Band with Nine Times Ladies e, depois, pelo grupo Malê Debalê, da Bahia. Há música em quase todo o espaço do Jóquei, que é absolutamente tomado por caminhões de cerveja (em New Orleans, ao contrário da maioria das capitais norte-americanas, é autorizado consumir álcool na rua e em eventos públicos), da produção dos shows e pelas cadeiras trazidas por cerca de 70% dos mais de 70 mil presentes.

nola10.jpg

Para organizar a coisa toda, a produção cria pequenas vilas com palcos, alimentação e dezenas de lojinhas de badulaques. No quesito comida a coisa toda é imbatível. O forte aqui são os frutos do mar (camarão, peixes, mariscos e até mesmo carne de jacaré nas mais diversas formas), mas há também sanduiches com carne de porco, linguiças e frango deliciosamente fritos além de tomates verdes fritos, batata doce e o melhor da culinária cajun e creole. Opto por um Jambalaya, que em Minas Gerais é conhecido como Galinhada, mas aqui recebe pimenta Cayenne e fica uma delícia. Lili encarou um Schrimp & Duck Cajun Pasta, algo como macarrão cajun com camarão e pato.

nola11.jpg

Os shows seguem nos diversos palcos: The New Orleans Bingo Show faz uma apresentação performática no Gentilly Stage (que mais tarde irá receber Phoenix) enquanto a Congo Square está cheia para ver Davell Crawford (logo mais este palco terá Frank Ocean) e dezenas de velhinhos dançam animadamente com a Lars Edegran’s New Orleans Ragtime Orchestra no Hall Tent. A hora, no entanto, se aproxima, e quase todo o público do festival parte para o Acura Stage, local em que o Fleetwood Mac se apresentará para um público aparentemente tão grande quanto, ou senão maior, que os de Foo Fighters e Pearl Jam no Lolla Brasil.

nola12.jpg

A região próxima ao palco está absolutamente enlameada, e como não viemos a rigor (com galocha) decidimos ir para o fundo, que está completamente tomado por um público majoritariamente mais velho, mas que canta “Second Hand News” a plenos pulmões e reconhece “The Chain” nos primeiros segundos da marcação de bateria. O set list é idêntico ao dos shows recentes da banda, e seguem-se “Dreams”, a nova “Sad Angel” e “Rhiannon” em grandes versões, mas Stevie Nicks improvisa um trecho de uma canção chamada “New Orleans”, que ela escreveu após o Katrina, em 2005: “Eu quero alugar um quarto em New Orleans / Quero cantar nas ruas do French Quarter”, diz a letra, que conquista ainda mais o público – como se isso fosse possível.

nola13.jpg

Cerca de sete músicas depois já estamos nos deslocando para os outros palcos, afinal, com o intuito de dividir a enorme audiência, o Jazz Fest escala suas principais atrações praticamente ao mesmo tempo. O Fleetwood Mac começou às 16h40, Frank Ocean às 17h25, Phoenix as 17h30 e Los Lobos às 17h40. Não conseguimos chegar no Frank Ocean (o palco estava do outro lado do jóquei), mas conseguimos confirmar que o Phoenix continua fazendo aquele show coxinha que vimos no Planeta Terra anos atrás. Eles abre com o novo single, “Entertainment”, gastam “Lisztomania” nos primeiros 15 minutos de set, e então Thomas Mars vai tirar sua tradicional soneca nas caixas de som enquanto a banda dispersa o bom público.

nola14.jpg

Por sua vez, em uma Tenda Blues absolutamente lotada, a audiência urra enquanto no palco, abastecido de três guitarras, o Los Lobos distribui riffs e mais riffs de rock and roll cru e festeiro. O repertório, comandado por David Hidalgo – que selecionava boa parte das canções na hora e depois trocaria a guitarra pela sanfona, trouxe “The Neighborhood” em versão sujoma, mais a deliciosa “Rosa Lee”, o agito rockabilly de “I Got to Let You Know”, a chicana “Volver, Volver” e covers sensacionais de “Dear Mr. Fantasy” (Traffic) e “Papa Was a Rolling Stone”, dos Temptations. No bis, uma versão de “Not Fade Away”, de Buddy Holly, e “Bertha” encerraram um dos grandes shows do antepenúltimo dia do festival.

nola15.jpg

Acabou? Não. Já fora do festival, bandas se apresentavam nos quintais das casas estendendo a experiência do festival adiante, mas a noitada ainda teria diversos shows pelas casas noturnas da cidade. Terence Blanchard, por exemplo, se apresentaria no Snug Harbor, a casa dos Marsallis na cidade, e o Mahalia Jackson Center receberia Black Crowes. Mas após oito horas de festival, nada melhor que ir para o hotel descansar. A saída, um pouco confusa, foi rápida, com filas para taxi e ônibus se dispersando rapidamente, e em 40 minutos já estávamos na Canal Street, rua central de New Orleans, em direção ao descanso. Domingo tem mais.

nola1.jpg

Leia mais: Diário de Viagem Estados Unidos 2013 (aqui)

0 comentário

Nenhum comentário no momento

Faça um comentário