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Sobre Scorsese e filmes que salvam almas

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 Terminei “Conversas com Scorsese”, de Richard Schinkel (lançado pelo CosacNaify – aqui), na semana passada (meu quarto livro em 2012 – que o ritmo perdure), e fiquei bastante comovido e feliz com suas últimas 50 páginas (de mais de 500). Schinkel, que é jornalista e documentarista, optou por um capítulo sobre a infância de Scorsese para abrir o livro, e depois ele e Scorsese passaram a decupar filme a filme do cineasta em relatos interessantes que, por dezenas ou centenas de vezes, esbarravam em algum filme antigo, que Scorsese se inspirou ou citou em determinada passagem.

Ainda há capítulos sobre cores, música, filmagem, estúdios, cortes e ângulos, mas no final, logo após os dois falarem sobre “Ilha do Medo” (2010), o último filme decupado (na época Scorsese filmava “Hugo Cabret” e finalizava o documentário sobre George Harrison), Schinkel questiona sobre a preocupação do diretor com a restauração e conversação de filmes antigos (Scorsese é dono de mais de 4 mil filmes em rolos) e seu trabalho com a Film Foundation (organização sem fins lucrativos dedicada à preservação de filmes fundada pelo diretor em 1990 – http://www.film-foundation.org/), no que ele conclui: filmes (livros, quadros e/ou músicas) podem salvar vidas.

Os artefatos da história nos filmes são incrivelmente importantes. O pior filme do mundo conterá pistas de como vivíamos, como nos vestíamos, como falávamos.
Era isso que eu apontava em 1979. Havia um chamado “The Creeping Terror” (de Vic Savage, 1964), um filme idiota de ficção cientifica filmado no Meio Oeste. Levaram todo mundo para alguma cidade para fazer. Então se via realmente como as pessoas se vestiam. E via-se como se comportavam na vida cotidiana. Estavam “representando”, mas na verdade não estavam. A trama não interessava. O que me interessava era o que revelava sobre os Estados Unidos e sobre a nossa cultura. Era muito comovente.

Transformou-se num registro valioso
Realmente.

No entanto, sinto que isso não basta para você. Por mais que você contribua com seu trabalho para a Film Foundation, está sempre dizendo que sente que não dá tanto quanto deveria ou do jeito certo.
É o conflito entre abnegação e egoísmo. Você pode preencher um cheque para filantropia e se sentir melhor. Mas preencher um cheque não adianta nada. Você tinha de estar lá, se realmente se importa.

Você é muito severo.
Tem razão. E isso vindo de uma pessoa que foi um fracasso em dar durante muitos anos.

Espere um pouco: por tudo que você fez pela Film Foundation, a quantidade de trabalho que põe nela… não deveria se sentir mal de apoiar a preservação de filmes. É uma coisa válida.
Eu acho que é válida. Acho que alimenta a alma de alguma forma.

Sem dúvida alimenta a sua alma.
Um amigo meu me disse recentemente: “Vamos vender a Capela Sistina para um empresário, assim os pobres podem comer por um dia com os lucros”. Mas e depois? Eles comeriam por um dia, mas nós ficaríamos sem a Capela Sistina. E a Capela Sistina pode ser de maior valor para as pessoas ao longo dos próximos dez séculos.

Salvar um filme glorioso que corre o risco de se perder ou ser destruído também pode sustentar almas.
Eu sei que sim.

(…)

Acredito num universo de acaso. Acredito que quando morrer estarei morto, não vou para nenhum lugar melhor – o que lamento amargamente, claro.
Vamos sentir falta, sabe? Vamos sentir muita falta. A não ser, seguindo a lógica do nada, que a gente não saiba.

Tenho um amigo que diz: “O que mais detesto nessa história (de morrer) é que pedem para você ir embora da festa, mas a festa continua”.
E vai continuar sempre.

Vão estar fazendo filmes…
Vão fazer filmes, escrever peças, livros. E eu vou sentir falta de tudo isso. Não é justo.

“Acabou para o senhor, senhor Scorsese” (imita a voz do juízo final)
Ah, espere um pouco, tenho mais uma coisa a dizer.

Eu me pergunto: Qual o propósito do que faço? Não tenho a menor ideia. Acho que é assim para a maioria das pessoas.
As pessoas pensam de formas diferentes. Mas você abre portas. Essa é a chave, acho. É igual a influência que um padre teve sobre mim quando eu era criança e ele dizia: “Olha esse livro. Vá ver esse filme. Escuta essa música”. E de repente as pessoas tomam rumos que nunca pensamos. Faz alguma diferença.

Faz com que pensem de jeito diferente, se comportem de jeito diferente, então acho que cumprimos o nosso propósito. Não sei por que estaríamos aqui se não fosse por isso. Como você diz, todo o texto é ego.
É, o resto é ego. “Sindicato dos Ladrões”, de Elia Kazan, significou muito pra mim. As pessoas efetivamente afetam outras pessoas. Tanta gente vai a Bob Dylan e diz: “Seu trabalho mudou a minha vida”. O que ele pode dizer para elas? Não pode dizer: “Não foi minha intenção”, porque você quer que isso aconteça. Em meu trabalho, venho desenvolvendo ao longo dos últimos dez anos uma compaixão alimentadora, acho. Algumas pessoas dizem que é culpa católica, nada mais. Mas culpa sempre. Parece que estou o tempo todo lidando com essa área. Não falo de culpa por atrasar na missa ou por ter pensamentos sexuais. Falo da culpa que vem do simples fato de estar vivo.

Leia também:
– Martin Scorsese, eu e a morte, por Marcelo Costa (aqui)

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