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Música: “Japan Pop Show”, Curumin

É muito interessante observar o cambalear bêbado do mundo ziguezagueando conforme o futuro torna-se presente. “Japan Pop Show”, segundo disco do multi-instrumentista Curumin, seria aclamado por toda a MPB e ignorado completamente pela ala rock caso fosse lançado vinte anos atrás. Hoje em dia a MPB como a conhecíamos – conceitualmente – não existe, e quem gostava de rock começou a abrir os ouvidos e expandir os horizontes musicais valorizando o samba e nossas raízes afro-americanas.

Dentro desse contexto, ontem ou hoje, “Japan Pop Show” é Samba com S maiúsculo. Sim, há aqui apropriações de sonoridades diversas que vão fazer você se lembrar do reggae, do funk, da soul music, do rap, do hip, do hop, do baião, do dancehall, do r&b e por ai vai, mas a essência, o cerne do negócio todo é o samba malaco, esperto e provocativo que conhecemos tão bem e aprendemos a admirar, mas revestidos de uma modernidade natural que conquista na primeira audição.

“Japan Pop Show” sucede “Achados e Perdidos”, estréia de Curumin em 2003 que lhe rendeu uma turnê por mais de vinte cidades dos Estados Unidos e a indicação da música “Tudo Bem, Malandro” para uma coletânea do iTunes idealizada pela atriz Natalie Portman e um show no badalado South By Southwest, no Texas. Neste segundo disco, Curumin olha com nostalgia para seu passado ao mesmo tempo em que exerce critica social e dá um salto (no vácuo com joelhada) em termos de produção.

A nostalgia surge no título do álbum, que remete a infância do músico, neto de japoneses que assistia ao programa de TV exibido nas manhãs de domingo nos anos de 1980, e também acompanhava as instigantes lutas de Savamú, lutador cujo golpe decisivo – “Salto no Vácuo com Joelhada” – dá titulo a faixa instrumental que abre o álbum suavemente como se um jazzista fizesse pequenos solos dentro de uma caixinha de bailarina, isso até os graves das programações baterem pesadas no estéreo.

Passada a introdução, “Japan Pop Show” arremessa no colo do ouvinte um repertório de canções suingantes que não deixam ninguém parado. Começa com a suavidade de “Dançando no Escuro”, com o vocal charmoso de Marku Ribas discorrendo com suavidade a poesia caipiresca da letra: “De uma chuva que lavou / Muita poça se formou / E pra num moiá os pé / Andava oiando pro chão”. O suingue chama o ouvinte para a ginga em “Compacto”, outra faixa carregada de nostalgia que presta homenagem aos bons e velhos vinis.

A contagiante “Magrela Fever” faz uma ponte com a “Magrelinha” de Luiz Melodia não só no título, mas em um trecho de teclados antes da entrada do refrão que faz o coração se aninhar na melodia.  Já “Kyoto” conta com o pessoal do Blackalicious e espeta os EUA, que não aceitaram assinar o protocolo na época. A faixa título, cantada em inglês, lembra o samba de Jorge Ben com guitarras de surf. O violão direciona “Mistério Stereo” com seu refrão esperto enquanto a instrumental “Saída Bangu” cita Jards Macalé.

A sensacional “Mal Estar Card” foca na Daslu enquanto Christopher Lover discursa no meio da canção: “Nunca vi alguém ficar rico sem pisar na cabeça dos outros”. Um dos pontos altos do álbum é “Caixa Preta”, com participação de BNegão e Lucas Santtana, um funk poderoso que usa o acidente com o vôo 3054 da TAM que matou 199 pessoas para criticar a falta de transparência da imprensa e dos grandes meios de comunicação, muito mais dispostos a confundir do que explicar.

“Sambito” é cantada em japonês e o refrão, traduzido, é uma declaração de amizade: “Sambito, Sambito, meu único amigo, meu único amigo”. Já “Esperança”, penúltima música do álbum, é outra que lembra Jorge Ben – inclusive em sua temática paz e amor tão celebrada pelo Babulina – enquanto “Fumanchu”, instrumental que fecha o disco conta com a participação de Daniel Ganjaman, destaca a bateria marcada de Curumin e o grave das programações enquanto uma linha melódica serpenteia a canção.

“Japan Pop Show” é um disco adulto, classudo e extremamente bem produzido. Curumin inspira-se em nostalgia (melódica e temática) para criar música moderna atenta ao mundo que a cerca, algo raro em tempos de reciclagem, diluição e umbiguismo emo. É bem provável que seja descoberto – e valorizado – nos Estados Unidos antes do Brasil, atestado da situação critica que vive a música (que um dia foi popular ) brasileira. Não espere o referendo do New York Times. “Japan Pop Show” é um dos grandes discos do ano. Descubra você mesmo.

“Japan Pop Show”, Curumin (YB Music)
Nota: 9,5

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