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Um rastro de sambas antigos

“Na flauta, Maionese”, aplausos ecoam no teatro. “Maionese, me empresta aquela flauta, a menor. Então, quando eu era menino, eu subia na laje e tocava uma flauta do tamanho dessa”. O público gargalha com a metáfora ilícita. “É sério. Eu ficava lá horas tocando flauta e tal, não tinha tantas teclas como essa, mas era uma flautona. A mãe gritava, ‘Luiz, desce da laje’. Eu descia e já escrevia umas quatro músicas. Hoje em dia eu não faço mais isso. No máximo, uma cervejinha. E olhe lá”.

Nada mais perfeito para começar a verbalizar o show “Estação Melodia” do que a história contada pelo próprio músico durante o show que encerrou sua temporada no Sesc Pompéia. “Estação Melodia”, o disco, quebra um hiato de dez anos de Luiz Melodia em estúdio. Seu álbum anterior, “14 Quilates”, data de 1997. De lá pra cá, apenas um disco acústico (1999) e um ao vivo com convidados (2003).

Para esta volta ao estúdio, Luiz Melodia (sem tocar flauta) deixou seu dom de bom compositor de lado e investiu em um repertório de sambas antigos (coisas dos anos 30, 40 e 50). “Estação Melodia”, o show, como não poderia deixar de ser, é uma verdadeira roda de samba: cercado por oito músicos, Melodia interpreta canções de Noel Rosa, Jamelão, Geraldo Pereira e Cartola, entre outros. E amplia o leque enxertando Chico Buarque, Vinicius, Zé Kéti e, claro, Luiz Melodia.

Assim, sambas empolgantes como “Eu Agora Sou Feliz”, de Jamelão e Mestre Gato, e “O Neguinho e a Senhorita”, de Noel Rosa e Abelardo da Silva, caem como uma luva na voz encharcada de malandragem de Melodia. Na segunda, inclusive, ele faz questão de abrir os botões da camisa e acariciar a pele enquanto canta: “A Madame tem preconceito de cor / Mas não pôde evitar esse amor / Senhorita foi morar lá na Colina / Com o Neguinho que é compósito”.

“Gente Humilde”, com o octeto reduzido a um trio com violão, viola e cavaquinho, soa ainda mais arrepiante do que já é. “Diz Que Fui Por Ai” (que ficou de fora de “Estação Melodia” assim como a parceria de Vinicius, Chico e Garoto) e “Tive Sim” (de Cartola) reluziam a ouro em versões impecáveis, e só ficaram atrás da dobradinha “Estácio, Holly Estácio” e “Estácio, Eu e Você”, que surgiram simplesmente acachapantes. O solo de cavaquinho na última teve o dom de marejar os olhos.

Para o final, Luiz Melodia reservou um samba de seu pai, Oswaldo Melodia. “Linda Tereza” transforma o show em um grande baile de samba. O trio de metais abandona os instrumentos e assume repique, reco e reco e pandeiro. Aos poucos, os violões são abandonados e tudo vira uma grande batucada com Luiz Melodia comandando a farra. Ele chama pessoas para o palco, que lota, e só para de cantar quando já está dentro do camarim, deixando para trás um rastro de sambas antigos e a felicidade estampada na face do público.

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